24/10/2017 às 00h00 com informações de Valor Econômico

Convênio ICMS e o mercado de Streaming

O Confaz determinou no Convênio citado que as disposições produzirão efeitos a partir de 1 de abril de 2018

No dia 5 de outubro, o Conselho Nacional de Politica Fazendária (Confaz) publicou o Convênio nº 106/2017 o qual determina que operações com bens e mercadorias digitais, como softwares, programas, jogos eletrônicos, aplicativos, arquivos eletrônicos e congêneres, que sejam padronizados (ainda que tenham sido ou possam ser adaptados) e forem comercializados por meio de transferência eletrônica de dados, serão tributados pelo ICMS.

Consoante o convênio, o imposto deverá ser recolhido nas saídas internas e nas importações realizadas por meio de site ou de plataforma eletrônica que efetue a venda ou a disponibilização, ainda que por intermédio de pagamento periódico (ou seja, assinaturas), de bens e mercadorias digitais mediante transferência eletrônica de dados, na unidade federada onde é domiciliado ou estabelecido o adquirente do bem ou mercadoria digital.

O Confaz determinou no Convênio citado que as disposições produzirão efeitos a partir de 1 de abril de 2018.

Infelizmente, não se trata de uma mentira a ser contada no dia da mentira.

Se trata de realidade legal e perseguição meramente arrecadatória em tempos de recessão.

Trata-se de realidade legal e perseguição meramente arrecadatória em tempos de recessão

Além de desejar tributar atividades diversas do meio virtual, nota-se que os Estados-Membros se preparam para tributar o crescente mercado de entretenimento o qual consumidores acessam através da tecnologia de streaming. Entretanto, o convênio contraria a Constituição Federal e poderá causar guerra fiscal com os municípios que também desejam tributar a atividade.

O convênio determina "disponibilização" por "transferência eletrônica de dados de bens" ou mercadorias, por "meio de site ou de plataforma eletrônica" o que demonstra a intenção de tributar o conteúdo transmitido por empresas que utilizam a atividade de streaming pois: elas disponibilizam conteúdo; ocorrem por transferência eletrônica de dados e são bens incorpóreos.

Empresas que disponibilizam filmes, séries, jogos, músicas e outros, por exemplo, estão abrangidas pelo Convênio 106, cabendo a cada Estado criar sua própria lei seguindo o convênio ou continuar respeitando a Constituição Federal.

A observação acima se concretiza ao analisarmos outras questões levantadas pelo Convênio nº 106/2017, como determinar a incidência "ainda que por intermédio de pagamento periódico" e a responsabilidade do recolhimento, atribuída a quem realizar a "oferta" do bem digital sujeito a transferência eletrônica de dados, bem como ao atribuir responsabilidade às operadoras de cartão de crédito ou demais intermediadores financeiros!

Ora, a Constituição Federal, no art. 154, inciso II, é clara ao criar a competência dos Estados de instituir impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior (ICMS). Neste dispositivo constitucional fica criada a matriz de todo o imposto e não pode ser desrespeitada.

O Convênio, contudo, não trata de mercadoria – bem corpóreo – e também não dispõe sobre a ocorrência de circulação, ou seja, troca de titularidade do bem. Estes conceitos já estão sedimentados na doutrina e jurisprudência pátria.

Nos serviços de comunicação também não podem ser incluídas as atividades pois, inclusive, o tributo já é pago na rede de comunicação e transmissão de dados utilizada para o uso do streaming, quando haveria bis in idem.

Se trata de tema sensível que deve ser tratado em reforma constitucional e nunca em convênio de ICMS.

Em tempos de crise, nossos legisladores não podem se esquecer que o princípio da legalidade e a ordem constitucional devem ser respeitados, não podendo se utilizar de analogia para criar incidências sobre novos fatos não previstos no texto constitucional. Proibição que está em evidência no art. 108 do Código Tributário Nacional.

Se há o desejo de tributar atividades novas, mister se faz uma reforma tributária, que permita tratar do ICMS, um imposto que se mostra na atualidade antiquado em face das novas tecnologias.

Porém, qualquer Estado que institua lei baseada no Convênio 106/2017 deverá sofrer o questionamento da constitucionalidade do ato tendo em vista a inovação legal desmedida que violenta a atual ordem constitucional.

Marcus Vinicius Buschmann é advogado e consultor, mestre em direito (M.Sc) e sócio de Buschmann & Associados Advogados

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