Supremo restringe imunidade de IPTU
As decisoes proferidas pelo Supremo em dois recursos beneficiam diretamente as prefeiturasEm meio a crise fiscal dos entes federados – em especial dos municípios – o Supremo Tribunal Federal (STF) limitou nesta quinta-feira (6/4) o alcance da chamada imunidade tributária recíproca, prevista na Constituição para evitar que um ente federado cobre impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços uns dos outros.
As decisoes proferidas pelo Supremo em dois recursos com repercussão geral beneficiam diretamente as prefeituras. Por maioria de votos, os ministros definiram que são obrigadas a recolher o IPTU as empresas arrendatárias de imóvel público, além das pessoas jurídicas de direito privado que exploram atividade econômica em imóvel de propriedade da União.
Para o advogado Ricardo Almeida, assessor jurídica da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf), as orientações da Corte evitam que se gere concorrência desleal no âmbito da federação. “Nessa situação, o STF estaria deteriorando a base econômica reservada a tributação de estados e municípios”, afirmou, após o julgamento.
Os ministros analisaram dois casos sobre cobranças de IPTU, recolhido aos municípios. O RE 594015 e o RE 601720 têm repercussão geral reconhecida pelo STF e por isso, as decisoes servirão de orientação para todos os casos semelhantes.
Petrobras
O primeiro caso (RE 5.940.15) envolvia a Petrobras e o município de Santos. O pleno do STF decidiu que a imunidade tributária recíproca não é aplicável à sociedade de economia mista arrendatária de imóvel público – no caso, da União.
A decisão foi por maioria. Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin, Celso de Mello e Cármen Lúcia que entenderam que sociedade de economia mista arrendatária de bem público não tem obrigação de pagar IPTU. Não participaram do julgamentos os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes.
No caso, o imóvel da União, localizado no Porto de Santos, foi transferido para a Companhia Docas de São Paulo (Codesp) – entidade vinculada ao Ministério dos Transportes –, que o arrendou à Petrobras, para armazenamento e movimentação de combustíveis. Posteriormente, o imóvel passou a ser arrendado pela Transpetro, com a mesma finalidade.
A prefeitura de Santos moveu ação executiva fiscal contra a Petrobras exigindo o pagamento do IPTU referente ao ano de 2000. A empresa entrou na Justiça, sustentando a inconstitucionalidade na tributação de bens públicos da União pelos municípios.
Os ministros Marco Aurélio Mello e Edson Fachin haviam votado em sessão passada. O julgamento foi retomado hoje com o voto-vista do ministro Roberto Barroso.
Barroso seguiu o entendimento do ministro Marco Aurélio no sentido de que tanto a sociedade de economia mista quanto as empresas públicas submetem-se ao disposto no artigo 173, parágrafo 2º da Constituição Federal, segundo o qual “as empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado”.
Além disso, os ministros ressaltaram que, no caso, o imposto deve ser cobrado porque a Petrobras é uma sociedade de economia mista, que atua livremente no desenvolvimento de atividade econômica, com ações negociadas em bolsa de valores, e que tem como objetivo auferir lucro a fim de distribuí-lo a seus acionistas. Assim também entenderam os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Luiz Fux e Ricardo Lewandowski.
Nessa corrente de interpretação, os ministros pontuaram que a regra da imunidade visa proteger o pacto federativo e que o não pagamento do imposto geraria vantagem concorrencial à empresa arrendatária de bem público. Vários dos ministros ainda citaram o artigo 34 do CTN, reforçando o trecho final do dispositivo. O artigo elenca como contribuinte do IPTU o “proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil ou o seu possuidor a qualquer título”. No voto, Barroso ainda afirma não considerar o arrendamento como posse precária do imóvel.
Os ministros ainda citaram que a imunidade tributária recíproca é excepcionada pelo artigo 150, parágrafo 3º, da Constituição Federal. Para Lewandowski, por exemplo, o dispositivo deve ser interpretado literalmente.
§ 3º – As vedações do inciso VI, “a”, e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.
O ministro Edson Fachin – que havia inaugurado a divergência – foi acompanhado pelos ministros Celso de Mello e Cármen Lúcia, que votaram no sentido de que a sociedade de economia mista arrendatária de bem público federal não pode ser eleita, por força de lei municipal, para figurar como contribuinte de obrigação tributária referente ao IPTU.
Houve discussão sobre a redação da tese fixada em repercussão geral.
A maioria dos ministros considerou essencial delimitar a aplicação da decisão às empresas de direito privado que que exploram atividade econômica com fins lucrativos. Dessa forma, ficou estabelecido o segundo enunciado: “Incide IPTU considerado o imóvel de pessoa jurídica de direito público arrendado a pessoa jurídica de direito privado que explora atividade econômica com fins lucrativos.
O ministro Alexandre de Moraes citou jurisprudência da Suprema Corte Americana que determina que só estão protegidos pela imunidade tributária recíproca os chamados atos de soberania, ou seja, só aquilo que são remunerados por impostos, ou seja, serviços públicos.
Ao final, o ministro Ricardo Lewandowski pontuou que a Petrobras também pedia a imunidade sobre taxas, como de coleta de lixo. Neste ponto, os ministros ressaltaram que a imunidade tributária recíproca só se aplica a impostos, como prevê artigo 150, inciso VI.
Em instância inferior, o Tribunal de Justiça de São Paulo havia considerado devido o IPTU por entender que as hipóteses de imunidade tributária não podem ser estendidas às sociedades de economia mista e que, uma vez estabelecido que a concessionária não faz jus à imunidade, deduz-se que quem arrenda bem imóvel também não.
O município de Santos afirmou que “a Petrobras, na qualidade de arrendatária de área portuária sob domínio útil da Codesp, é subconcessionária da União e se submete, evidentemente, às mesmas regras de exceção à imunidade tributária.
A Petrobras defendeu que a imunidade recíproca deve ser aplicada ao caso já que o imóvel onerado é pertencente à União Federal e encontra-se utilizado para a prestação de serviço público consistente no abastecimento de combustíveis.
A Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf) estimava, com eventual derrota no Supremo, perda superior a R$ 3 bilhões a título de IPTU devido pelas empresas ocupantes de bens públicos que exploram atividade econômica em todo o país.
Empresa privada
No segundo caso analisado pelo plenário do STF (RE 6.017.20), o município do Rio de Janeiro questionada a imunidade recíproca da Barrafor Veículos Ltda na Avenida das Américas, no Rio de Janeiro, em imóvel da União cedido à Infraero.
A maioria dos ministros decidiu que a imunidade recíproca alcança imóvel de propriedade da União cedido a empresa privada para exploração de atividade econômica. Eles discutiam se o detentor da posse pode ser responsável pelo pagamento do IPTU, quando o titular do domínio do imóvel é a União.
O relator do caso, ministro Edson Fachin, entendeu pela imunidade. Segundo ele, o Código Tributário Nacional admite a incidência do IPTU não apenas sobre a propriedade, mas também sobre a posse. Contudo, para a incidência do tributo, explicou, deve estar configurada a posse própria ou suscetível de transformar-se em propriedade, o que não é o caso dos autos, já que se trata de hipótese decorrente de contrato de concessão de uso de imóvel público. Assim também entendeu o ministro Celso de Mello.
Os demais ministros – Marco Aurélio Mello, Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia – entenderam ser constitucional a cobrança do IPTU porque a empresa visa o lucro e explora uma atividade econômica.
No caso analisado, a Barrafor Veículos Ltda fica na Avenida das Américas, no Rio de Janeiro, em imóvel da União cedido à Infraero. A Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária, por sua vez, cedeu o imóvel à concessionária de veículos. Segundo o ministro, de um lado da avenida, ficam as lojas que não pagariam o IPTU por ocuparem bem público, e do outro, as empresas pagam o imposto porque o terreno não é da União. O ministro apontou para violação do princípio da livre concorrência.
Ao julgar o processo, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro considerou que a imunidade recíproca alcança imóvel de propriedade da União cedido a empresa privada para exploração de atividade econômica. Além disso, entendeu que concessionária de uso de imóvel pertencente a ente público não pode ser considerada contribuinte de IPTU, pois não possui domínio ou posse do bem.
O município do Rio de Janeiro sustentou que a regra da imunidade recíproca não se aplica a imóveis públicos cedidos a particulares que exploram atividade econômica, ou seja, quando o imóvel não tem destinação pública.
Neste caso, os ministros discutiram a possibilidade de modulação dos efeitos da decisão. Quem levantou a possibilidade foi o ministro Barroso, que considerou que o Supremo estaria alterando sua jurisprudência hoje. A ministra Cármen Lúcia discordou que a Corte estivesse mudando de entendimento.
Alguns ministros ainda levantaram a discussão se o Supremo poderia modular os efeitos das decisões de ofício ou apenas com pedido em embargos de declaração – como ocorreu no RE 574.706 (ICMS na base do PIS/Cofins).
Barroso considerou que a modulação pode ser discutida de ofício, ou seja, sem a necessidade de pedido nesse sentido. No entanto, decidiu retirar a sugestão por entender que a falta de dois ministros na sessão poderia prejudicar o debate sobre o tema.