26/06/2017 às 00h00 com informações de jota

Carf muda para evitar nova Zelotes

Conselho adquire ISO 9001 depois de alterar gestão e tramitação de processos

Uma operação da Polícia Federal, duas CPIs, paralisações que somaram mais de oito meses, mudança de quase 100% do quadro de julgadores e uma proposta legislativa de encerramento do tribunal. O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) passou por tudo isso, ao longo de pouco mais de dois anos.

O atual presidente do conselho, Carlos Alberto Barreto, assumiu o cargo em janeiro de 2015, pouco tempo antes da deflagração da Operação Zelotes, em março. Ex-secretário da Receita e homem de confiança do então Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, Barreto passou a comandar um órgão que, em questão de dias, passou de desconhecido para sinônimo de corrupção.

O presidente, porém, trabalha para tentar acabar com os gargalos que possibilitaram as manipulações de julgamentos investigadas pela Zelotes, e começa a colher alguns frutos. Neste mês, o Carf conseguiu a certificação ISO 9001, que garante o controle de qualidade em três processos do tribunal: os julgamentos, a gestão do acervo de processos e a admissibilidade de recursos à Câmara Superior.

De acordo com Barreto, entre os órgãos da administração pública apenas o Carf e a Procuradoria-Geral da República (PGR) possuem o ISO 9001. O fato, para ele, é um “grande inibidor” de irregularidades como as vistas na Zelotes, já que os episódios foram possibilitados pelo “modelo de gestão” anterior do Carf.

“Mitiga substancialmente [as irregularidades], mas não evita 100%, porque [o tribunal] envolve pessoas”, afirma, em entrevista exclusiva ao JOTA, concedida na manhã de quinta-feira (22/6), na sede do Carf, em Brasília.

Distribuição

Segundo Barreto, as mudanças no Carf tiveram início em 2015, após a deflagração da Zelotes pela Polícia Federal, em março. A força-tarefa teve início com a investigação de casos de compra de votos no conselho, mas seguiu caminhos que se distanciaram do Carf e chegaram à venda de Medidas Provisórias (MPs) no Congresso e até mesmo à compra de caças durante o governo Lula.

“O ano de 2015 foi um marco relevante por fatos que a gente não gosta de relembrar, e impulsionou uma decisão estratégica de governo para que o Carf revisse o seu planejamento”, relembra Barreto.

Foi revelada na Zelotes, por exemplo, a prática de distribuição de determinados processos a conselheiros envolvidos no esquema de compra de votos. Além disso,  julgadores repassavam casos a outros escritórios, e julgavam processos pelos quais iriam receber.

Barreto defende que as “fragilidades” eram fruto do modelo de gestão adotado à época no Carf.

“O que o novo modelo tem que responder? A questão da governança, da integridade e dos riscos envolvidos, não só para buscar uma maior eficiência e segurança jurídica, mas para evitar a repetição dos fatos que levaram à paralisação [do conselho]”, elenca o presidente.

Descentralização 

De lá para cá, a maior mudança no conselho foi a separação de áreas que antes eram ocupadas pelas mesmas pessoas. É o caso, por exemplo, da distribuição de processos, que hoje é independente da área de julgamento.

Antes, segundo Barreto, as câmaras eram responsáveis pela gestão e distribuição dos processos, o que tornava difícil até mesmo identificar se a prioridade de julgamento a contribuintes idosos ou com doenças graves estava sendo cumprida. Além disso, os jugadores tinham influência na distribuição de casos aos colegas.

Atualmente, a distribuição é feita por uma área específica, e realizada em duas etapas: o processo é repassado primeiramente a uma turma, e depois ao conselheiro relator. “É completamente aleatório”, garante Barreto.

A nova metodologia pode ser vista durante as sessões. Na Câmara Superior, por exemplo, a distribuição de processos é feita por um computador, e projetada em dois telões durante o julgamento.

Suporte

Outra área que ganhou “independência” é a de suporte ao julgamento, que realiza, por exemplo, a elaboração e registro da ata e a conferência do acórdão com a ata. Atualmente esse setor não é mais subordinado à presidência da turma, o que evita que cada presidente crie sua própria metodologia ou interfira nesse processo.

Segundo Barreto, a equipe de suporte é a mesma para todas as turmas, e está vinculada à presidência do tribunal.

“Quem cuida do julgamento só cuida do julgamento, não cuida mais do processo”, afirma o presidente.

Com a separação, Barreto diz que foi possível mapear os temas dos processos. Surpreendentemente, o tribunal não tinha um controle das demandas mais frequentes que chegam.

A partir desse controle, a presidência passou a calcular o tempo gasto pelos conselheiros em cada julgamento. Segundo Barreto, os casos são repassados aos julgadores de acordo com o número de horas que a análise dos processos levará.

“A esses processos foram atribuídas estimativas de horas esperadas para o julgamento. E isso nos dá uma certeza sobre a possibilidade de julgar o acervo”, explica.

Um passar de olhos sobre os episódios revelados pela Zelotes deixa evidente o prejuízo que a junção entre as as áreas de julgamento, gestão e apoio causava. Um exemplo é o famoso caso da Gerdau, que tratava de ágio interno.

A companhia é acusada de conseguir resultado favorável no Carf depois de pagar um dos principais envolvidos na Zelotes, o ex-conselheiro José Ricardo da Silva. O ex-julgador era vice-presidente do colegiado que julgou o processo da companhia em segunda instância, e foi indicado como relator do caso na Câmara Superior.

Câmara Superior

Outra alteração, que, segundo o presidente do Carf, imprimiu produtividade e segurança jurídica no tribunal, foi a segregação de funções entre os conselheiros que atuam nas câmaras baixas e na Câmara Superior, instância máxima do conselho.

Atualmente os colegiados têm composições distintas. Até 2015, todos os conselheiros da Câmara Superior ocupavam cadeiras nas câmaras baixas. Além de possibilitar irregularidades, diz Barreto, o modelo reduzia a produtividade dos julgadores e causava o acúmulo de processos.

Outra alteração que garantiu o ISO 9001 foi a forma de admissão de recursos à Câmara Superior. Por ser a instância máxima do Carf, o colegiado só analisa casos quando há divergência entre as turmas do conselho, e por isso, é necessário que as partes, ao recorrerem, anexem ao seu caso decisão sobre controvérsia idêntica, mas com resultado diametralmente oposto ao do acórdão recorrido.

A análise de admissibilidade é feita pelo presidente de câmara responsável pelo caso, e cabe recurso se o processo não é admitido. Antes de 2015, entretanto, o recurso, denominado agravo, era analisado pela mesma pessoa – o presidente da câmara.

“Não se ouvia o contribuinte nesse reexame”, diz Barreto.

Agora, o reexame passou para a presidência do tribunal. Para Barreto, a mudança garante efetividade para a figura do agravo e traz maior segurança jurídica às partes de processos que tramitam no Carf.

A alteração toca também em uma velha queixa dos advogados: a de que os recursos da Fazenda Nacional são mais facilmente aceitos na Câmara Superior. Profissionais que atuam no Carf costumam dizer que o filtro da admissibilidade é mais “brando” para o fisco.

Segundo o presidente do tribunal, em 2015, o estoque de recursos à Câmara Superior e agravos não analisados girava em torno de 17 mil processos. Atualmente não há mais estoque, e os recursos são analisados à medida em que são interpostos.

Para Barreto, dentro de um ano o julgamento na Câmara Superior também estará “no fluxo”, ou seja, não restará mais estoque.

Súmulas

A Operação Zelotes e outras medidas editadas posteriormente, como a proibição de que os conselheiros dos contribuintes advoguem fora do Carf, levaram a uma grande mudança no quadro de conselheiros do tribunal.

Barreto estima que, desde 2015, tenha ocorrido a alteração de cerca de 90% dos conselheiros, além de uma redução de 216 para 144 no número de julgadores.

Por conta disso, anuncia o presidente do Carf, não haverá a edição de súmulas esse ano. Os enunciados, que têm por finalidade cristalizar entendimentos do tribunal, só deverão ser analisados em abril ou maio de 2018.

“Agora o conhecimento dos novos conselheiros está se consolidando, e é necessário tempo de maturidade”, diz Barreto.

Para os contribuintes, entretanto, a não edição de novas súmulas pode ser algo a ser comemorado. Isso porque, de acordo com dados publicados pelo próprio Carf, a alteração no quadro de conselheiros fez com que os contribuintes passassem a ganhar mais casos nas câmaras baixas, mas menos casos na Câmara Superior.

E a situação deve continuar inalterada, já que de acordo com o Regimento Interno do Carf, o prazo de dois anos de mandato não se aplica aos julgadores da instância máxima do tribunal.

Ainda sobre a alteração no perfil dos conselheiros, Barreto apoia de forma sutil a regra que proíbe julgadores de atuarem na advocacia.

“Tinha escritório com mais de um representante no Carf. Um representante por sessão, praticamente”, critica.