Justiça impede Receita de realizar compensação
Amanda Guedes: contribuintes sofrem com a coação para aceitar a compensaçãoA Receita Federal foi obrigada pela Justiça a desfazer compensação de ofício realizada com créditos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de uma empresa do ramo de produtos para tingimento de termoplásticos. Com os créditos, o Fisco havia liquidado parcelamento em vigor – Refis da Crise, aberto pela Lei nº 11.941, de 2009.
A sentença é da 3ª Vara Federal de São Bernardo do Campo (SP), que analisou mandado de segurança apresentado pelo contribuinte. Apesar de a empresa ter discordado, a Receita Federal realizou a compensação, impedindo a continuidade do parcelamento.
A prática é comum. Na sentença, o juiz Marcio Martins de Oliveira cita julgados contrários a compensações de ofício. Para ele, no caso, há "nítida afronta" ao artigo 151, inciso VI, do Código Tributário Nacional – que traz o parcelamento como um dos motivos para suspensão da exigibilidade de crédito tributário.
"A suspensão da exigibilidade do crédito tributário impede qualquer ato de cobrança, conduzindo o contribuinte à situação regular, inclusive com a possibilidade de emissão de certidão de regularidade fiscal", diz o juiz na decisão.
O magistrado lembra que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já analisou a questão, por meio de recurso repetitivo, autorizando a compensação de ofício, prevista no artigo 6° do Decreto 2.138/97, "exceto no tocante a débitos com exigibilidade suspensa nos termos do artigo 151, CTN".
Com a decisão, a Receita foi obrigada a reativar o parcelamento e pagar integralmente os créditos do IPI. O contribuinte obteve o direito em dois pedidos de ressarcimento, nos valores de R$ 87,4 mil e R$ 84,8 mil.
Foi o segundo mandado de segurança apresentado pela empresa contra a Receita, que insistiu na liquidação de parcelamento por meio da compensação de ofício. Numa primeira tentativa, aceitou a negativa do contribuinte. Porém, reteve créditos tributários.
Após a sentença da 3ª Vara Federal de São Bernardo do Campo, a empresa apresentou embargos de declaração, que foram acolhidos. A decisão impede a Receita de "reter o crédito já reconhecido e os que vierem a ser reconhecidos com débitos que estejam com a exigibilidade suspensa, nos termos do artigo 151 do Código Tributário Nacional".
De acordo com a advogada Amanda Rodrigues Guedes, do Piazzeta e Rasador Advocacia Empresarial, responsável pelo caso, a decisão é um importante precedente contra a prática. "Muito embora tenham os pedidos de ressarcimento deferidos pela Receita Federal, [contribuintes] sofrem com a coação para aceitar a compensação de ofício com débitos com a exigibilidade suspensa", diz. "Por diversas vezes, os contribuintes cedem para receber a restituição de saldos remanescentes."
A advogada Valdirene Lopes Franhani, do escritório Braga & Moreno Consultores e Advogados, destaca a necessidade de a Receita Federal seguir precedentes do STJ e do Supremo Tribunal Federal (STF). "Há, no caso, um precedente forte do STJ. Tem que valer o que está no CTN", afirma. "O Carf [Conselho Administrativo de Recursos Fiscais] leva em consideração esses precedentes."
Luiz Gustavo Bichara, do Bichara Advogados, lembra que, muitas vezes, o contribuinte é obrigado a seguir o caminho inverso. Entrar na Justiça para exigir a compensação de ofício. Situação comum para exportadores, que acumulam créditos de PIS/Cofins e querem utilizá-los para pagamento de contribuição previdenciária. "Nesse caso, essa compensação só pode ser de ofício, se a Fazenda quiser", diz.
Procurada pelo Valor, a Receita Federal informou que não comentaria o caso.