Empresas têm maioria das derrotas em Câmara do Carf
Na Câmara Superior, contribuintes perdem três de cada cinco julgamentosEm mais um esforço para demonstrar transparência, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) consolidou os dados sobre os julgamentos de 2016. O documento, adquirido com exclusividade pelo JOTA, porém, demonstra o que já havia sido divulgado anteriormente: os contribuintes estão perdendo os julgamentos da Câmara Superior e os casos que são resolvidos por voto de qualidade.
Esse é o segundo relatório relacionado ao ano de 2016 divulgado pelo Carf. Em outubro do ano passado o tribunal publicou em seu site os dados relacionados ao período entre janeiro e agosto, que já traçavam o cenário visto agora. Por conta dos dois documentos abrangerem períodos em comum, a comparação entre ambos fica prejudicada.
De acordo com o novo relatório, o Carf julgou 7,8 mil recursos no ano passado. Os contribuintes foram vencedores em 52,4% das decisões, e a Fazenda Nacional em 47,6%.
Os números, entretanto, apresentam maior variação quando são analisados apenas os recursos que chegam à Câmara Superior do Carf, responsável pela pacificação do entendimento do tribunal. Na instância máxima do conselho os contribuintes venceram 37,1% dos casos, e a Fazenda 62,9%.
Importante salientar que os recursos especiais – que visam levar casos à Câmara Superior – são minoria no Carf. Do total de recursos analisados em 2016, 22,7% eram especiais.
Os números também evidenciam que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) está voltando seus esforços à Câmara Superior. Isso porque, do total de recursos especiais, 66,1% foram manejados pelo órgão.
Críticas
Os dados não surpreendem advogados que atuam no Carf. Frequentando as três turmas da Câmara Superior é possível perceber que mesmo casos que às vezes são julgados de forma favorável nas turmas ordinárias têm seus resultados revertidos na instância máxima.
É o caso, por exemplo, das discussões sobre a possibilidade de amortização de ágio, que apesar de polêmicas conseguem arrecadar resultados favoráveis nas turmas ordinárias. A Primeira Turma da Câmara Superior, por sua vez, nunca permitiu o aproveitamento do benefício.
O advogado Caio Taniguchi Marques, do Simões Advogados, cita outro exemplo: a incidência de contribuição previdenciária sobre pagamentos feitos como Participação nos Lucros e Resultados (PLR) e sobre Stock Options. Ele salienta que os contribuintes têm conseguido vitórias relacionadas ao tema no Judiciário.
“Hoje perder no Carf não significa que é a discussão é ruim”, diz.
Outra crítica feita por especialistas ao novo relatório está relacionada ao fato de não serem computados de forma específica os julgamentos que resultaram em parcial provimento ao recurso, que ocorre quando as partes ganham apenas uma parcela de seus pedidos. O levantamento feito pelo conselho simplesmente não faz referência a recursos decididos dessa maneira.
Marques salienta também que não foram segregados os casos em que é declarado o vício do lançamento, ou seja, considera-se que a cobrança fiscal deve ser anulada por erro. Nesse caso não é analisado o mérito da discussão.
Unânime, maioria e qualidade
De acordo com o levantamento, a grande maioria dos resultados no Carf são unânimes. Em 66,3% dos julgamentos não houve divergência entre os conselheiros.
Os julgamentos por maioria representaram 26,4% do total e o polêmico voto de qualidade foi utilizado em 7,3% dos casos analisados pelo Carf.
O voto de qualidade ocorre quando há empate entre os oitos julgadores das turmas do Carf, e o posicionamento do presidente do colegiado, que representa a Fazenda, é utilizado para resolver a questão. O instituto é polêmico, e recentemente foi questionado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Supremo Tribunal Federal (STF).
Em relação ao assunto o documento apresentado pelo Carf demonstra um dado que não surpreendeu: os processos resolvidos por voto de qualidade têm em sua maioria desfecho favorável à Fazenda Nacional. Em 2016, 69,4% dos resultados resolvidos dessa foram desfavoráveis aos contribuintes.
No documento, o Carf afirma que o fato de a maioria dos casos terem resultados unânimes demonstra “a absoluta convergência de entendimento entre os conselheiros na absoluta maioria dos casos apreciados”.
Para o advogado Luiz Carlos de Andrade Junior, do Koury Lopes Advogados, o relatório peca ao não levantar o “impacto financeiro do voto de qualidade”. O profissional diz que só assim seria possível saber, por exemplo, se os casos decididos dessa forma são os casos de maior valor no Carf.
Câmara Superior
Ainda em relação ao voto de qualidade, o relatório revela que os contribuintes perderam a grande maioria dos casos resolvidos dessa forma nas três turmas da Câmara Superior. Em apenas um dos 24 temas no qual foi aplicada a sistemática houve vitória às empresas, e essa vitória foi parcial.
De acordo com o levantamento, em 2016 a Primeira Turma da Câmara Superior (IRPJ e CSLL) julgou 12 dos assuntos resolvidos por voto de qualidade, sendo seguida pela Segunda Turma (Contribuição Previdenciária e IRPF), com sete casos, e pela Terceira Turma (PIS e Cofins), com cinco casos.
Dentre os temas nos quais foi preciso recorrer ao voto de qualidade estão a possibilidade de amortização de ágio pelas empresas, a utilização da trava de 30% na incorporação de empresas com posterior extinção da companhia incorporada e a tributação de lucros de controladas no exterior.
Dos 24 temas resolvidos dessa forma os contribuintes saíram parcialmente vitoriosos apenas nos casos que tratavam da incidência do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) sobre diferenças salariais recebidas acumuladamente. A 2ª Turma da Câmara Superior considerou que não é nula a cobrança fiscal relacionada ao assunto, porém o valor cobrado deve ser recalculado conforme regime de competência.
Recursos repetitivos
O levantamento realizado pelo Carf também trata dos casos resolvidos por meio da sistemática dos repetitivos no conselho. O instituto é novo no tribunal, e permite que a Câmara Superior aplique um entendimento já consolidado a diversos casos de uma só vez.
De acordo com os dados, em 2016 foram analisados 1,09 mil recursos pela sistemática repetitiva. A Terceira Turma da Câmara Superior foi a que mais aplicou o instituto, julgando 557 casos dessa forma.
Foram quatro temas julgados como repetitivo: aplicação da denúncia espontânea nos casos de multa por atraso na entrega de informações relacionadas ao embarque de mercadorias, multa aduaneira pelo registro fora do prazo de dados de embarque, incidência de PIS e Cofins nas vendas a empresas na Zona Franca de Manaus e incidência dos tributos na renovação de contratos de concessão de energia elétrica.
A Segunda Turma, por sua vez, julgou 533 recursos como repetitivo, sobre dois assuntos. A sistemática foi utilizada em processos envolvendo IRPF sobre rendimentos recebidos acumuladamente e retroatividade benigna em caso de descumprimento de obrigação acessória.