31/07/2017 às 00h00 com informações de jota

Distribuição isenta de dividendos no lucro presumido

Impossibilidade de limitação: distinção entre lucro contábil e lucro presumido

A partir do exercício de 1996, com o advento da Lei n. 9.249/95, os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados do exercício, pagos ou creditados por pessoas jurídicas domiciliadas no País, tributadas com base no Lucro Real, presumido ou arbitrado, não são sujeitos à incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (“IRRF”), nem integram a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, seja ele pessoa física ou jurídica, domiciliado no Brasil ou no exterior. Ou seja, a Lei isentou o recebimento de dividendos do pagamento do Imposto de Renda.

Em linhas gerais, a distribuição de dividendos não traz calorosas discussões no que diz respeito à sua distribuição isenta. A Receita Federal sempre exigiu a escrituração contábil completa da empresa, apurada de acordo com as Leis comerciais, para que fosse possível a distribuição de dividendos isentos.

No entanto, para as empresas tributadas com base no Lucro Presumido, uma discussão ganhou relevo nos últimos anos, notadamente por conta de uma decisão – apesar de não definitiva – proferida pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) em sentido contrário aos Contribuintes e que confirmou o entendimento proferido pela Receita Federal do Brasil em alguns casos julgados nas Delegacias de Julgamento (a exemplo do Acórdão 06-41214, de 28 de Maio de 2013, da DRJ de Curitiba).

Em apertada síntese, o Acórdão do CARF decidiu que o beneficiário autuado teria que recolher o Imposto de Renda (“IR”) sobre os dividendos distribuídos, que ocasionou em distribuição de Lucros superior à base de cálculo do Lucro Presumido. Ou seja, ocorreu a distribuição de Lucros “excedentes” ao Lucro Presumido, o que segundo o CARF não poderia ocorrer uma vez que foi utilizado no cálculo do Lucro Presumido o Regime de Caixa, enquanto na contabilidade da Sociedade, para fins de apuração do Lucro Contábil, foi utilizado o Regime de Competência.

Entendo que o CARF não foi feliz ao proferir a mencionada decisão, tendo criado um perigoso e equivocado precedente ao confirmar o entendimento da Receita Federal, como será visto a seguir.

Para a análise do tema posto, é necessário o entendimento das distinções entre regime de competência e regime de caixa e seus efeitos na tributação das pessoas jurídicas.

Regime de competência é aquele que deve ser utilizado pelas sociedades na elaboração de suas demonstrações contábeis (cf. Artigo 177 da Lei 6.404/76 e Item 27 do Pronunciamento n. 26 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis, “CPC”). Neste regime de reconhecimento de receitas, os efeitos das transações são contabilizados quando estas ocorrem e são lançados nos registros contábeis dos períodos a que se referem, independente da efetiva entrada de caixa na sociedade, quando satisfazem as definições e os critérios para seu reconhecimento, conforme item 28 do CPC 26 e item OB16 do CPC 00.

Tendo sido este o regime adotado também pela Lei tributária como regra para o reconhecimento e tributação das receitas (artigo 37, §1o, Lei 8.981/95), um exemplo facilita a visualização do tema: se uma Sociedade vendeu bens em fevereiro de determinado exercício, é nesta competência que a receita da venda de bens deve ser reconhecida, considerando-se devido o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (“IRPJ”) a partir daquela competência.

Por sua vez, o regime de caixa é aquele em que a receita é reconhecida apenas quando há entrada de caixa na Sociedade, de modo que os efeitos tributários das receitas só serão reconhecidos quando houver a realização financeira, ou seja, o pagamento pelo cliente em virtude da venda de bens ou pela prestação dos serviços.

Sendo o regime de competência regra na apuração das receitas tributáveis, é lícito afirmar que o regime de caixa é uma exceção (opção existente em vista da presunção do Lucro Tributável) às empresas tributadas com base no Lucro Presumido, servindo tão-somente para o cálculo do IRPJ do período.

Seguindo nestes termos, tem-se que a Pessoa Jurídica utilizará o regime de competência para apuração dos resultados em sua contabilidade, de modo que quando da elaboração da Demonstração de Resultados do Exercício (“DRE”), o Lucro líquido passível de distribuição (“Lucro Contábil”) é o resultado do exercício diminuído das participações, prejuízos acumulados e provisão para o IRPJ, tudo nos termos da Lei 6.404/76.

De forma distinta, a base de cálculo do IRPJ a pagar será aquela apurado de acordo com o regime de caixa, se assim optado, em que a Pessoa Jurídica tributada com base no Lucro Presumido apura o total de receita bruta reconhecida e, para fins de determinação da base de cálculo do Imposto, aplica o percentual de presunção relativo à sua atividade.

Há, neste ponto, uma importante diferenciação a ser realizada: enquanto o Lucro Contábil é o lucro passível de distribuição de dividendos[1] apurado após a contraposição de receitas e despesas, o Lucro Presumido é apenas uma presunção de lucro realizada pelo legislador federal para fins de apuração do IRPJ a pagar, de modo que Lucro Contábil e Lucro Presumido em nada se confundem.

Apesar disso, pode ser que os mencionados valores coincidam, ou que sejam totalmente discrepantes[2], mas o importante para a distribuição de dividendos isentos é que a Pessoa Jurídica efetivamente demonstre que o Lucro Contábil apurado se deu de acordo com as regras societárias, com apuração realizada de acordo com escrituração contábil completa, ou seja, apuração de resultados de acordo com o regime de competência e seguindo os preceitos da Lei 6.404/76 e do CPC.

Mencionada apuração permitirá ao Fisco saber se os valores efetivamente distribuídos foram aqueles apurados na contabilidade societária, como quis a regulamentação da Receita Federal sobre a matéria (Instrução Normativa “IN” 93/1997, IN 1.515/2014 e IN 1.700/2017), o que parece ser uma preocupação razoável do Fisco com o intuito de evitar fraudes.

Portanto, pode-se afirmar que para as Pessoas Jurídicas tributadas com base no Lucro Presumido, a legislação não parece ter vinculado a distribuição de dividendos isentos à obrigatoriedade de convergência entre o regime de reconhecimentos de receita para apuração do IRPJ e o regime de reconhecimento de receitas para apuração dos resultados societários. E não poderia ser diferente, até porque o que a Lei n. 9.249/95 prescreve é justamente o cálculo dos dividendos de acordo com os resultados do exercício, cálculo este feito de acordo com a Lei Societária.

Inclusive, notem que a preocupação da Receita Federal em vincular os dividendos isentos ao Lucro Presumido não parece ser muito clara, já que, em sendo regime de caixa, quando do recebimento futuro daqueles valores, haverá a tributação dos valores pelo IRPJ e CSLL, e na ausência de recebimento, haverá baixa dos mesmos para o resultado como despesa, o que refletirá em Prejuízo Contábil para a Pessoa Jurídica na apuração da contabilidade societária.

Assim, é importante que fique clara a distinção entre Lucro Contábil e Lucro Presumido: enquanto o Lucro Contábil é aquele apurado de acordo com as Leis societárias e, em consequência, é o Lucro passível de distribuição de dividendos, o Lucro Presumido é uma presunção da Lei Tributária utilizada somente para cálculo do IRPJ.

Não obstante, o equívoco do CARF reside na desconsideração de que a adoção do Lucro Presumido com base no regime de caixa serve apenas para o cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica a pagar. Os Conselheiros consideraram – em voto não unânime, diga-se de passagem – que haveria necessidade de coincidência dos parâmetros contábeis e tributários, sob pena de impossibilidade de distribuição isenta dos dividendos apurados no balanço societário caso este sinalizasse Lucro superior à base de cálculo do IRPJ, o que não parece ser o tratamento mais adequado no caso concreto, conforme visto anteriormente.

É importante pontuar, ainda, que anteriormente ao advento da Lei 9.249/95 havia uma vinculação entre a base de cálculo do IRPJ e os dividendos isentos (artigo 46 da Lei 8.981/95, revogado pela Lei 9.249/95), o que apenas reforça a plena possibilidade de Lucro Contábil, passível de distribuição, superior ao Lucro Presumido.

Por fim, lembre-se ser vedado à Lei Tributária alterar os conceitos de direito privado, o que significa que não poderia uma interpretação da Lei 9.718/98, a pretexto de admitir a apuração do Lucro Presumido pelo regime de caixa, modificar a forma de apuração do Lucro Contábil, que por sua vez é apurado, reitere-se, de acordo com os preceitos da Lei Societária.

Assim, descabidas as interpretações tanto da Receita Federal quanto do CARF, já que pretendem modificar os conceitos de direito privado, obrigando as Pessoas Jurídicas tributadas com base no Lucro Presumido que optaram pelo regime de caixa a utilizarem este mesmo critério na apuração da contabilidade societária.

Em conclusão, me parece que a posição adotada pelo CARF no Acórdão 2202.003-018 não observou os preceitos da legislação brasileira, tendo desconsiderado a possibilidade de empresas tributadas com base no Lucro Presumido com base no regime de caixa distribuírem seus dividendos apurados de acordo com o Lucro Contábil seguindo os preceitos do regime de competência quando estes forem superiores ao Lucro Presumido, de modo que haveriam fortes argumentos para combater eventual autuação do beneficiário dos dividendos apurados de forma excedente ao Lucro Presumido.