Adeus à guerra fiscal?
Tributaristas analisam impacto da Lei Complementar 160/2017Depois de meses de costura política, o governo editou o conjunto de regras que tem o potencial de mitigar a guerra fiscal entre os Estados. Ao mesmo tempo que valida e dá sobrevida aos incentivos concedidos de forma irregular por entes federados, a Lei Complementar 160 – publicada nesta terça-feira (8/8) – autoriza o perdão do passivo da guerra fiscal, ou seja, cobranças contra empresas que usufruíram de benefícios inconstitucionais.
Longe de colocar um ponto final na disputa entre os Estados por atração de empresas e arrecadação, a norma – aprovada com folga na Câmara e no Senado – tenta zerar o passado e minimizar os impactos da declaração de inconstitucionalidade de incentivos concedidos de forma unilateral pelos Estados, sem aprovação no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
Pela Lei Complementar 24, de 1975, a concessão de incentivos fiscais é condicionada à aprovação por todos os integrantes do Confaz, ou seja, pelos 26 Estados e o DF. A lei foi recepcionada pelo Constituição de 1988 e o Supremo Tribunal Federal vinha derrubando todos os benefícios concedidos de forma irregular.
A disputa federativa levou a Corte a pressionar o Legislativo por uma solução. Os ministros poderiam tirar da gaveta a qualquer momento o Projeto de Súmula Vinculante 69, segundo o qual “qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, é inconstitucional”.
A ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo, porém, fez apelos para que os Estados buscassem acordo sobre o assunto.
“A guerra dos benefícios continua, mas agora existem regras para guerrear”, resume o advogado José Luiz Ramos, especialista em direito tributário do Martinelli Advogados, sobre a lei editada nesta terça-feira.
Quórum reduzido
Os termos da convalidação dos incentivos e do perdão do passivo, porém, só serão conhecidos com o convênio que deverá ser firmado em até seis meses no âmbito do Confaz.
O ponto central da norma é a flexibilização do quórum para a edição do convênio. Serão necessários os votos favoráveis de, no mínimo, dois terços dos Estados e de 1/3 das unidades federadas integrantes de cada uma das cinco regiões do país.
O quórum reduzido é considerado, por especialistas, como essencial para zerar o passado e aprovar as regras de transição. “A autorização não viria se mantida a regra da unanimidade”, afirma o advogado Ronaldo Redenschi, sócio do Vinhas e Redenschi Advogados.
O especialista lembra que o Confaz se adiantou em 2014 ao editar o Convênio 70, que traçou as linhas gerais para anistia e remissão de débitos do ICMS gerados no âmbito da guerra fiscal. “A essência do convênio e da LC 160 é a mesma, então existe uma legítima expectativa de que os termos anteriores venham a ser alcançados novamente”, diz.
Especialistas pontuam, contudo, que o quórum reduzido vale apenas para a aprovação do convênio de convalidação dos incentivos irregulares e perdão do passivo. Novos benefícios fiscais continuarão sendo submetidos à regra da unanimidade.
“Ao mesmo tempo que os Estados concordam que precisam flexibilizar o quórum para aprovar o convênio no Confaz e resolver o passado, não adotaram a mesma medida para o futuro. Eles poderiam ter alterado a regra pela LC 160, mas a mudança não veio”, afirma Aldo de Paula Junior, sócio do Azevedo Sette Advogados.
Transparência e sanção
O que garante, então, que os governos estaduais deixarão de conceder benefícios fiscais de forma unilateral no futuro?
A Lei Complementar 160 fixou sanções aos Estados que continuarem com a prática. Pela norma, o ente federado ficará impedido de receber transferências voluntárias; obter garantia de outro ente; e contratar operações de crédito. Isso durante o tempo que os incentivos inconstitucionais perdurarem.
Para a tributarista Tathiane Piscitelli, professora da FGV Direito SP, as sanções – extraídas da Lei de Responsabilidade Fiscal – são um dos grandes avanços da lei. “Mas deve haver fiscalização para serem efetivas. O Ministério da Fazendo e o Tribunal de Contas da União devem controlar”, pondera.
A Lei Complementar 160 ainda estabelece exigências mínimas de transparência para que os incentivos continuem sendo concedidos.
Os Estados deverão publicar todas as normas relativas às isenções, aos incentivos e benefícios fiscais ou financeiro-fiscais registro e depositar no Confaz a documentação que comprova os atos concessivos dos incentivos. Esses documentos serão publicados no Portal Nacional da Transparência Tributária, que será instituído pelo Confaz.
O ente tem liberdade de revogar o incentivo ou reduzi-lo antes do fim desses prazos. Outra novidade é que um Estado poderá aderir aos benefícios concedidos ou prorrogados por outra unidade federada da mesma região, enquanto estiverem vigentes.
Vetos
Apesar de a lei ser fruto de amplo consenso entre os atores políticos, o presidente Michel Temer vetou dois artigos que, segundo o governo, repercutiriam negativamente na arredacadação do governo federal.
O Executivo barrou a tentativa do Congresso de reconhecer os incentivos e benefícios fiscais ou financeiro-fiscais como subvenções para investimento. Com essa caracterização, os benefícios ficariam de fora da base de cálculo do Imposto de Renda e da CSLL. As subvenções para custeio, por sua vez, são tributadas.
O legislativo foi além ao prever que a regra seria aplicada aos processos administrativos e judiciais ainda não definitivamente julgados. Ou seja, seriam derrubadas as exigências contra empresas que não tributaram o benefício.
Na justificativa para o veto, o governo afirma que não foi calculado o impacto orçamentário e financeiro decorrente da renúncia fiscal, o que violaria o artigo 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
Para Tathiane Piscitelli, porém, a previsão não acarretaria em renúncia fiscal. “O governo só estaria reconhecendo a natureza do incentivo”, diz.
Com os vetos, advogados afirmam que perdurará no Judiciário e no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) a discussão sobre a natureza dos incentivos.