Carf julga tributação da contratação de estagiários
Tribunal discutiu a necessidade de supervisão presencial em programas de estágioOs estagiários – aqueles mesmo, que sofrem, que tiram xerox, que carregam processos – viraram pauta no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). O tribunal discutiu se a falta de supervisão dos jovens profissionais descaracteriza o contrato de estágio, gerando a necessidade de pagamento de tributos pela empresa.
A discussão teve início pelo fato de as empresas serem obrigadas a recolher tributos incidentes sobre a folha de salário e outros rendimentos do trabalho dos empregados. Os estagiários estão fora dessa lista, já que não são considerados empregados. Sobre o salário dos estudantes, dessa forma, não incide a Contribuição Previdenciária Patronal.
No Carf, os conselheiros se depararam com a questão: para que um funcionário seja considerado estagiário, é necessária a supervisão presencial do orientador?
O julgamento
O tema chegou ao Carf por meio de um caso que tinha como parte o Serviço Social da Indústria (Sesi). O colegiado compreendeu que a supervisão presencial é requisito para se considerar a relação entre funcionário e empregador como de estágio, caso contrário estaria configurada uma relação de emprego como outra qualquer.
No caso concreto, analisado pelo tribunal administrativo no último dia 3, foi verificado que os estagiários do Sesi trabalhavam de forma autônoma, sem supervisão, contando apenas com relatórios mensais assinados pelos orientadores. Além disso, a sua mão de obra era cedida a outras empresas, o que não é permitido pois os estagiários devem ser, obrigatoriamente, contratados diretamente pelo empregador, como estabelecido pela Lei do Estágio (11.788/2008) e pela Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei 5.452/1943).
A decisão da 1ª Turma da 4ª Câmara da 2ª Seção do Carf foi dada por voto de qualidade. Isso significa que houve empate entre os conselheiros, e a presidente da turma – que representa o Fisco – decidiu a questão. O colegiado manteve a cobrança da contribuição previdenciária, excluindo os valores que já estavam prejudicados pela decadência.
Ficaram vencidos os conselheiros Rayd Santana Ferreira, Andréa Viana Arrais Egypto e Luciana Matos Pereira Barbosa, que entendiam que a supervisão do estágio não precisa ser integral. A empresa ainda pode recorrer à instância máxima do tribunal, a Câmara Superior.
O posicionamento vencedor desconfigurou a relação de estágio e entendeu que havia uma relação de trabalho disfarçada. Com base no entendimento foram cobradas do Sesi as contribuições sobre esses supostos empregados.
Embora não haja dever tributário para o empregador quanto aos estagiários, estes podem, se quiserem, participar da contribuição facultativa. Ela consta no artigo 12, § 2º, da lei de estágio, que permite ao estagiário começar a contar o tempo de estágio na previdência social. A contribuição possui alíquotas entre 20% e 11%.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informou que “a decisão foi proferida de acordo com os elementos probatórios do caso concreto”.
Necessidade de supervisão presencial
O tema divide opiniões.
Para o advogado Carlos Eduardo Dantas Costa, sócio do escritório Peixoto & Cury Advogados, a orientação pode ser realizada à distância. “Não faz nenhum sentido que a supervisão seja presencial. O que precisa acontecer é um acompanhamento efetivo”, afirmou.
De acordo com o advogado, a modernização da sociedade está encaminhando, cada vez mais, para uma série de condições de trabalho e de vida que não são mais presenciais, com aulas de ensino à distância e reuniões por videoconferência. Para ele, a lei de estágio não faz a imposição de que a supervisão seja presencial, e, a depender do tipo de orientação, não é necessário ter contato pessoal de forma integral.
Já a advogada trabalhista do escritório Ulisses Sousa Advogados, Catarina Bogéa, discorda. Para ela, o estágio precisa ser supervisionado presencialmente, pois é um ato educativo que tem como fim orientar o estudante a se inserir no ambiente profissional.
“O supervisor tem que estar ali, pode até não ser todo dia, mas precisa ter um corpo a corpo com o estagiário e explicar como ele deve se portar no ambiente de trabalho”, explica.
“Se o estagiário trabalha de forma autônoma, à deriva, ele foge do propósito do estágio e se configura uma relação de emprego barata e sem custo previdenciário”, completa.
A advogada cita como exemplo os estagiários de escritórios de advocacia, que podem fazer cargas de processos ou até atender clientes sem a presença do orientador.
Para Bógea isso não descaracterizaria uma supervisão anterior. O estagiário, segundo ela, pode ir ao tribunal olhar autos de processos e tirar cópias desacompanhado, mas na base do estágio existe um supervisor que o orientou a fazer aquele serviço. Além disso, ele precisa prestar contas quando retornar ao escritório.
“Existe uma certa autonomia para realizar o seu trabalho, mas sempre com uma orientação, até porque o estagiário não sabe como se portar, pois ele acabou de chegar no mercado de trabalho”, conclui Bógea.
Sistema S
O Sistema S define o grupo de organizações das entidades corporativas voltadas para o treinamento profissional, assistência social, consultoria, pesquisa e assistência técnica. As entidades, além de terem seus nomes iniciados com a letra S, têm raízes comuns e características organizacionais similares.
O Sesi faz parte desse sistema, assim como o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), p Serviço Social do Comércio (Sesc), o Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio (Senac), o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), o Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop) e o Serviço Social de Transporte (Sest).
Apesar de serem entidades de direito privado, essas organizações são sustentadas com dinheiro arrecadado pelo governo, por meio de contribuições sociais pagas pelas empresas.
As indústrias, por exemplo, recolhem 1% ao Senai e 1,5% ao Sesi, sendo que as contribuições incidem sobre a folha de pagamento. Já as empresas do comércio recolhem 1,5% ao Sesc.
O dinheiro arrecadado pelo governo é distribuído integralmente às entidades. O Sistema S, entretanto, não isenta as organizações que o compõe a recolherem os devidos tributos.