Contribuintes deverão declarar valores em espécie
Exigência vale para operações acima de R$ 30 mil. Advogados criticam medidaCom o objetivo de fechar o cerco em operações financeiras ligadas a crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e sonegação de impostos, a Receita Federal vai obrigar cidadãos e empresas a declarar mensalmente o recebimento de valores em espécie acima de R$ 30 mil.
A diretriz consta na Instrução Normativa (IN) nº 1.761 de 2017, publicada na última terça-feira (21/11) no Diário Oficial da União. A norma prevê multa de 1,5% a 3% do montante transferido em casos de omissão ou comunicação incompleta.
A medida divide opiniões. Em notícia divulgada em seu site a Receita Federal defende que a nova obrigação vem “da experiência verificada em diversas operações especiais que a Receita Federal tem executado ao longo dos últimos anos, nas quais essas operações têm sido utilizadas para esconder operações de sonegação, de corrupção e de lavagem de dinheiro”.
Advogados, porém, criticam a imposição
O advogado Lucas Dollo, sócio do escritório NFA Advogados, avalia que a medida será pouco eficaz para monitorar transações ilegais em espécie. “Quando tem mala de dinheiro para lá e para cá, é óbvio que quem recebe aquilo, sabendo ser decorrente de ato ilícito, não vai declarar”, explicou. Por outros meios, ele completa, a Receita Federal já monitora transferências bancárias, pagamentos com cartão, transações a prazo, compra e venda de imóveis, entre outros.
Uma possível inspiração para a instrução normativa são as malas de dinheiro encontradas em um “bunker” supostamente ligado do ex-ministro Geddel Vieira Lima. A Receita abriu consulta pública para recolher sugestões sobre o texto em 18 setembro deste ano. Duas semanas antes, em 5 de setembro, a Polícia Federal encontrou R$ 51 milhões estocados em apartamento em Salvador ligado a Lima.
Sócio do escritório Diamantino Advogados Associados, o advogado Eduardo Diamantino considera questionável a validade da nova obrigação. Para ele, ao impor o controle sobre as operações, a Receita estaria supondo que as movimentações em dinheiro seriam, em tese, de natureza ilegal. A medida também atentaria contra o princípio da livre circulação da moeda. “Cria-se um controle que, se não cumprido, torna ilícito o que era lícito”, conclui.
Ademais, Diamantino lembra que os valores já precisam ser comunicados na declaração do Imposto de Renda, conhecida dos brasileiros.
Segundo Dollo, nem todos os contribuintes que fizerem negócios em dinheiro de forma lícita vão se familiarizar à nova regra. “Na prática, o fisco vai acabar pegando pessoas inadvertidas, que movimentaram recursos mas não sabiam da obrigatoriedade”, disse.
Ao JOTA, uma advogada que preferiu não se identificar afirmou que a IN não tem base legal e afronta o Direito Constitucional. Ainda, a obrigação de declarar os valores ao fisco violaria a própria intimidade das pessoas. Isso porque o contribuinte terá de informar à Receita detalhes desnecessários sobre como decide gastar o próprio dinheiro.
Além disso, o artigo 10º da IN prevê que a Receita comunique as operações ao Ministério Público Federal quando houver indícios de crimes. Dollo argumenta que a Receita não tem competência para julgar quais transações são evidências de atos ilícitos. “É uma ameaça ao contribuinte para coagi-lo a entregar a declaração”, afirmou.
Sobre o assunto, por meio de seu site, a Receita Federal salientou que “a nova norma não busca identificar os atuais estoques de moeda física mantidos por pessoas físicas ou jurídicas, mas identificar a utilização desses recursos quando essas pessoas efetivamente liquidarem aquisições diversas”.
Multas e prazos
O cidadão ou a empresa deve comunicar as operações em dinheiro à Receita eletronicamente, por meio da Declaração de Operações Liquidadas com Moeda em Espécie (DME), até o mês seguinte à transação. As primeiras declarações devem ser enviadas a partir de fevereiro de 2018, referentes a operações realizadas em janeiro. A DME será disponibilizada no Centro Virtual de Atendimento (eCAC).
A instrução normativa não aumenta a carga tributária, mas determina multa em casos de omissão ou comunicação incompleta dos dados ao fisco. Para pessoas jurídicas, a penalidade é de 3% sobre o montante transferido. Para pessoas físicas, o percentual cai para 1,5%.
A obrigação de informar a transação à Receita é do cidadão ou da empresa que recebeu o dinheiro. Na DME, o contribuinte deve preencher o valor transferido, a pessoa física ou jurídica que efetuou o pagamento, o bem ou serviço objeto da compra e a data da operação.