Após Zelotes, parlamentares querem mudar estrutura do Carf
Seis propostas tramitam no Legislativo com sugestões de mudanças no órgão do Ministério da FazendaApesar de ser um órgão do Poder Executivo, vinculado ao Ministério da Fazenda, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) também atraiu, nos últimos anos, a atenção do Poder Legislativo. Em 2018, ao menos seis projetos de Lei que tratam do tribunal administrativo tramitam no Congresso Nacional. Todos surgiram depois da Operação Zelotes, que expôs uma rede de influências entre advogados e empresas na compra de votos de conselheiros do Carf e revelou um esquema de corrupção que poderia ultrapassar os R$ 19 bilhões – superando o valor detectado pela Lava Jato.
Das seis propostas, apenas uma tramita no Senado Federal. O atual presidente da Casa, Eunício Oliveira (PMDB-CE), propôs, em 2015, que o Carf publicasse e divulgasse, trimestralmente, os relatórios gerenciais dos resultados de julgamentos. O projeto, apresentado em junho daquele ano, nunca chegou a ser apreciado pela Casa, e hoje ainda aguarda a designação de um relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
Os demais cinco projetos que tramitam no Congresso e que tratam do Carf são de autoria de deputados. Três deles estão prontos para serem apreciadas dentro das comissões temáticas da Casa, antes de seguirem para votação em plenário. O PL 5474/2016, de autoria do deputado Joaquim Passarinho (PSD-PA), tramita na Comissão de Trabalho da Câmara e faz alterações no decreto que trata do processo administrativo fiscal para incluir conselheiros dos contribuintes ainda nas Delegacias da Receita Federal de julgamento (DRJ). O Projeto de Lei nº 1739/2015, de autoria de Fausto Pinato (PRB/SP), assim como o projeto do Senado, também pede maior divulgação de relatórios gerais do Carf – o projeto aguarda a apreciação da CCJ.
A proposta mais complexa é a PEC 161/2015, que prevê uma alteração no artigo 37 da Constituição, obrigando o conselheiro do órgão a ser um funcionário concursado – hoje, conselheiros são indicados tanto pelo ministro da Fazenda quanto pelas entidades representantes dos contribuintes.
A necessidade de concurso público para a vaga recebeu um parecer positivo do relator do projeto, o deputado Rubens Pereira Junior (PCdoB-MA). “Na Comissão de Constituição e Justiça, não julgamos o mérito da questão”, argumentou o parlamentar, “mas diante de tantas denúncias dentro do Carf, a alteração da composição do conselho se faz necessária, e vem ajudar a sociedade brasileira”, completou.
Todas as propostas que estão na CCJ devem aguardar a indicação do novo presidente da comissão (a ser eleito no início do ano legislativo) para serem incluídas na pauta.
A proposta de concurso, na opinião do sócio-conselheiro do Sacha Calmon-Misabel Derzi Consultores e Advogados e doutor em Direito Tributário Igor Mauler, poderia até trazer benefícios. “O grande problema do modelo paritário [atualmente utilizado no Carf] é o tratamento do empate. O modelo paritário hoje é bom, mas é preciso uma solução para o empate diferente do voto de qualidade, pois ele gera voto de bancada”, argumentou o tributarista.
“Ao mesmo tempo, propor que ‘no empate o contribuinte ganha’ é trocar um problema por outro, e institucionalmente não é uma solução razoável. A solução que eu vejo, no modelo paritário é que, caso haja empate, o débito não seja extinto – mas, caso o contribuinte entre com uma ação judicial em um prazo determinado pela Justiça, ele continua com uma suspensão de exigibilidade até a decisão em primeiro grau. Isso desestimularia o alinhamento automático de uma bancada e outra”, completou.
Após a votação pela CCJ, o texto sobre o concurso para conselheiros do Carf deve ser apreciado em uma comissão especial que só seria constituída por um ato privativo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Perguntado sobre a possibilidade do presidente ordenar o avanço do tema, Rubens Pereira Júnior não esboçou otimismo. “Sem pressão política e da sociedade, este projeto não anda”, disse.
Extinção
O mais polêmico dos projetos apresentados (e que ainda tramita pela Câmara dos Deputados) é o PDC 55/2015, que pretende extinguir o funcionamento do Carf como um todo. Sustando os efeitos de diversos pontos do decreto que regulamenta o processo administrativo fiscal, o projeto do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) chegou a ser aprovado na Comissão de Finanças da Câmara, mas travou na Comissão de Constituição e Justiça, onde o relator Covatti Filho (PP-RS) votou pela inconstitucionalidade da peça. De acordo com seu relatório,”o Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, foi recepcionado como lei, no regime da Constituição de 1988. Tendo sido recepcionado como lei, não pode mais ser catapultado por um decreto legislativo”.
A proposta gerou críticas generalizadas entre os tributaristas. Para o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Breno Vasconcelos, a medida de extinção do Carf é barrada por conta de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade já julgada no Supremo Tribunal Federal (STF). “Foi entendido pelo STF que há sim um direito constitucional à petição e um direito ao recurso administrativo. Do ponto de vista material, isso é uma prova eloquente da inconstitucionalidade desta proposta”, disse.
O professor afirmou que a extinção do dispositivo teria consequências catastróficas ao poder Judiciário e à sociedade. “A questão que tem ser colocada é que o Carf precisa ser aprimorado. Extinto, não faz sentido. Ele pode até ser extinto se em seu lugar for criado uma autarquia, como defendemos na academia, ou então de uma Justiça Especial Tributária, como já existe em outros países”.
Diretora do Centro de Altos Estudos da Procuradoria Regional da Fazenda Nacional na 3a Região, Rita Nolasco também enxerga que há inconstitucionalidade no tema. “A justificativa da proposta, que menciona o “esquema de corrupc¸a~o” no Conselho, como se fosse algo inerente a esse o´rga~o, pretende passar a falsa ideia de que tudo se resolveria com a sua extinção”, afirma. A doutora em Direito pela PUC/SP tem uma visão de futuro para a entidade semelhante à de Breno. “Acredito que o caminho é discutir projetos que propiciarão o fortalecimento do CARF, com novas propostas de modernização, eficiência e transparência, levando em consideração a importância da manutenção do órgão.”
Autor do projeto, Luiz Carlos Hauly afirmou que, apesar de ainda estar ativo na Câmara, o PDC não deve ser levado à frente, uma vez que já foi considerado inadmissível pela Casa. Fruto de uma discussão que afirma ter mais de duas décadas sobre o órgão, Hauly ainda se mantém pessimista sobre o funcionamento do órgão. “[O Carf] não tem conserto, e os escândalos [da Zelotes] macularam de vez e acabaram com a chance do conselho”, afirmou ao JOTA. Hauly afirmou que deve, a partir de agora, concentrar seus esforços em outro projeto, o da reforma tributária.