Equipe econômica enfrenta resistência para acabar com isenções fiscais
Dois programas de incentivo fiscal para a indústria de tecnologia da informação parcialmente condenados pela Organização Mundial do Comércio (OMC) custarão aos cofres públicos R$ 21,3 bilhões até 2021, segundo dados da Receita Federal. Diante da censura do organismo internacional, o custo fiscal e dúvidas sobre a eficácia dos incentivos, técnicos da equipe econômica defendem simplesmente acabar com eles. No entanto, outros setores do governo preferem apenas ajustá-los, refletindo a pressão do empresariado pela manutenção dos benefícios.
A queda de braço evidencia a falta de consenso no governo sobre o que fazer com uma série de programas de incentivos fiscais a setores econômicos, baseados principalmente na renúncia de impostos, que custam ao país mais de R$ 300 bilhões por ano, quase três vezes o déficit nas contas públicas projetado para este ano.
Em dezembro, após questionamentos feitos pelo Japão e pela União Europeia, a OMC entendeu que a Lei de Informática e o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (Padis) deveriam passar por mudanças porque violam o artigo da entidade que proíbe que produtos estrangeiros sejam tributados de forma diferente que os nacionais. Inicialmente, sete medidas fiscais brasileiras haviam sido condenadas, mas duas foram totalmente revertidas pelo órgão de apelação da entidade. Mais tarde, três processos foram extintos. Os dois restantes, que resultaram em condenação parcial, são relacionados à Lei de Informática, em vigor até 2029, e ao Padis, que vale até 2022.
Empresas pressionam
Dos dois programas, a Lei de Informática representa o maior impacto nas contas públicas. Só neste ano, serão R$ 6,2 bilhões em renúncias. Em três anos, serão R$ 20,3 bilhões. Em vigor desde 1991, a legislação prevê benefícios escalonados nos próximos anos. Empresas de bens de informática e automação, por exemplo, têm abatimento de 80% até 2024. O desconto cai para 75% entre 2024 e 2026. Finalmente, fica em 70% até 2029, quando acaba o programa.
Já o Padis, criado em 2007, zera os impostos cobrados na importação de produtos eletrônicos definidos em lei. Para se beneficiar, a empresa precisa investir ao menos 5% do faturamento bruto no mercado interno. O programa deve responder, em 2019, por uma renúncia de R$ 306 milhões — ou R$ 1 bilhão em três anos.
Enquanto a área econômica defende o fim dos programas, técnicos de outras áreas, com destaque para o Ministério de Ciência e Tecnologia, discutem ajustes para evitar novos problemas na OMC. Segundo fontes da área diplomática, o prazo para alterar pontos contestados está em negociação.
O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Eletroeletrônica (Abinee), Humberto Barbato, defende os incentivos, enfatizando os princípios da Lei de Informática. Segundo ele, os benefícios, que têm prazo de vigência até 2029, são fundamentais para a atração de investimentos para o país. A proposta defendida por ele junto ao governo é concentrar as mudanças na substituição da isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) por outro, como o Imposto de Renda, e a redução do índice de nacionalização (parcela do produto que tem que ser composta exclusivamente por produtos nacionais) nos chamados Processos Produtivos Básicos (PPB).
O consultor internacional e ex-secretário de Comércio Exterior Welber Barral lembra que os dois programas foram criados para atrair investimentos, mas não adianta dar incentivos se o ambiente de negócios no Brasil não é atraente:
— Não sei se seria o caso de manter esses programas se não há investimentos no país e o ambiente de negócios ainda precisa melhorar.
Renúncia de R$ 300 bi
Só em 2018, o governo deixou de arrecadar R$ 292,8 bilhões por causa de programas com benefícios fiscais como esses. O montante corresponde a 4,3% do PIB. Para este ano, a expectativa é que as renúncias somem R$ 303 bilhões. O Ministério da Economia montou um comitê para analisar o custo-benefício de cada programa e reavaliar sua manutenção, mas ainda não há conclusão.
O governo já se comprometeu a reavaliar esses incentivos, apontados por economistas como uma das causas da deterioração da contas públicas no governo de Dilma Rousseff (PT), que também usou crédito subsidiado para incentivar setores industriais eleitos como estratégicos. A promessa, prevista no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) é cortar esses gastos em 0,5 ponto percentual do PIB por ano até 2022. O presidente Jair Bolsonaro deve encaminhar ao Congresso um projeto para reavaliar os programas no ano que vem.
Não será possível rever o incentivos sem desagradar setores empresariais. O Ministério da Economia montou um comitê para fazer a análise do custo-benefício de cada programa, mas ainda não há um estudo conclusivo. Hoje, o incentivo fiscal que mais pesa sobre as contas públicas é o Simples Nacional, regime tributário especial para pequenas empresas que custará R$ 86,5 bilhões neste ano.
— Todos os gastos tributários são candidatos a análise. Mas é preciso estabelecer uma prioridade, não dá para fazer tudo ao mesmo tempo. Na minha opinião, os candidatos mais naturais (a uma revisão) são os maiores — avalia Josué Pellegrini, analista da Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado.