Comércio e serviços entram em choque com indústria na reforma tributária
As propostas de reforma tributária que tramitam na Câmara e no Senado colocaram em campos opostos a indústria e os demais setores econômicos.
A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 45/2019, apresentada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP), tem como ponto central substituir três tributos federais (PIS, Cofins e IPI), o estadual ICMS e o municipal ISS pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).
A receita seria compartilhada por União, estados e municípios. Esse tipo de tributo é conhecido na literatura tributária como IVA (Imposto sobre Valor Agregado).
A emenda tem como referência a proposta de reforma tributária do C.CiF (Centro de Cidadania Fiscal), que estima uma alíquota acima de 20% para que não haja perda nem aumento de arrecadação. O mesmo percentual é aplicado a todos os bens e serviços.
O imposto é cobrado em todas as etapas de produção e comercialização, mas com ressarcimento integral para que o tributo das etapas anteriores da cadeia seja recuperado.
Um primeiro problema está na relação entre as três esferas de governo. O Ministério da Economia deve apresentar uma proposta para criar um IBS federal. Diante disso, os estados avaliam fazer outro, unindo apenas ICMS e ISS.
O gerente de Políticas Tributária e Fiscal da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Mário Sérgio Telles, afirma que a instituição tem um posicionamento favorável ao IBS/IVA que inclua ICMS e ISS.
“Se fizer só dos tributos federais, ajuda, mas vai ficar de fora o pior tributo para a indústria, o ICMS”, afirma Telles.
Pesquisa da CNI realizada neste ano mostra que 42% dos empresários apontam o tributo estadual como o que causa maior impacto negativo sobre a competitividade do setor. Ele é seguido por PIS/Cofins e contribuições previdenciárias, ambos com 16%.
Para a CNI, a resistência à mudança se dá em alguns setores que estão subtributados. “Com o IVA, o valor adicionado em todos os setores vai ter a mesma tributação.”
O vice-presidente da CNS (Confederação Nacional dos Serviços), Luigi Nese, afirma que o setor de serviços não tem imposto para compensar, por isso, haveria aumento de carga tributária que seria repassado ao consumidor.
Ele dá como exemplo o caso de empresas de tecnologia da informação que não fazem aquisição de insumos que poderiam ser usados para gerar crédito tributário.
“Quem vai pagar a conta é o setor de serviços. Um aumento de carga tributária brutal. O único beneficiado seria a indústria. Todos os outros setores estariam assumindo esse ônus”, afirma Nese.
A CNS defende uma reforma tributária com foco na desoneração da folha de pagamento, que seria compensada por um novo imposto sobre movimentações financeiras, algo que está em estudo no governo federal.
O setor da construção está entre aqueles que avaliam que uma reforma tributária deveria atuar nas duas questões, a desoneração e o IBS.
“Defendemos um tributo que alcance todo o mundo, sobre movimentação financeira, em vez de tributar a folha de pagamento. O IVA é uma grande ideia, mas também penaliza quem gera emprego. É diferente de uma indústria que só tem robô”, diz José Carlos Rodrigues Martins, presidente da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção).
“Não dá para querer mexer em IVA e não fazer a desoneração de folha. Tem de ser em conjunto, para que se possam fazer compensações.”
O presidente da CNC (Confederação Nacional do Comércio), José Roberto Tadros, diz que o IVA elimina a cumulatividade de tributos, o que é positivo, mas que o tamanho da alíquota preocupa o setor.
Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea (associação da indústria de veículos), também é a favor de simplificar e reduzir tributos, mas diz que o setor pode ter aumento de carga tributária a depender da alíquota dos novos impostos.
A Anfavea também avalia que uma revisão dos encargos sobre salários deveria ser considerada nas discussões.
Carlos Pelá, diretor da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), afirma que um dos maiores problemas para o setor é a multiplicidade de legislações do ISS.
“O ideal é que a legislação, os prazos de recolhimento e obrigações acessórias possam ser tratados em um padrão nacional”, afirma.
A entidade não tem uma posição sobre a volta do imposto sobre movimentações financeiras, cuja arrecadação exige dos bancos uma complexidade operacional grande. Sobre a redução de tributos sobre a folha de pagamento, Pelá diz que a discussão é bem-vinda.
O economista Bernad Appy, do C.CiF, afirma não ver problema em discutir a desoneração da folha em conjunto com as propostas em debate no Congresso. Afirma, no entanto, que um imposto sobre movimentações financeiras não é o melhor caminho.
“Pode fazer sentido discutir com a mudança na tributação de bens e serviços, proposta na PEC 45, medidas de redução na tributação da folha de pagamentos. Quem vai decidir isso é o Congresso Nacional. A grande dificuldade é saber como vai ser financiada a perda de arrecadação”, afirma.
Para ele, a compensação com um imposto sobre movimentação financeira com alíquotas elevadas, como os mais de 5% da proposta do Instituto Brasil 200, levaria a redução da intermediação financeira, com perda imediata de arrecadação.
“Há outras formas que deveriam ser consideradas.”
Appy rebate os argumentos de que a PEC 45 será prejudicial à maior parte do setor de serviços. Ele diz que quem está no meio da cadeia produtiva, ou seja, presta serviço a outra empresa, será beneficiado.
“Hoje, eles pagam tributos como o ISS, que não gera crédito nenhum. Com o IBS, o prestador vai recolher um valor mais elevado, mas vai gerar um crédito integral para o tomador desse serviço”, afirma.
O economista diz ainda que alguns serviços para consumidores finais podem ficar mais caros, mas que a melhora no sistema tributário gerada pela reforma terá efeito positivo sobre a renda, a demanda de serviços e o lucro dessas empresas.
“Eu posso garantir que a maior parte do setor, inclusive esses que prestam serviços para o consumidor final, em termos absolutos, vai ser beneficiada pela mudança proposta”, diz Appy.