Recuperação judicial teve alta de 115% em sete meses no PR
Em sete meses, o número de pedidos de recuperação judicial no Paraná cresceu 115,6%. De janeiro a julho, foram realizados 69 pedidos, contra 32 em igual período de 2018. Os dados são do Indicador Serasa Experian de Falências e Recuperações Judiciais. O índice estadual destoa do nacional, que apresentou decréscimo. De janeiro a julho, o número de pedidos de recuperação judicial no País caiu 6,6%, passando de 850 para 794. Porém, é importante considerar que muitas das empresas que entram com pedidos de recuperação judicial são formadas por vários sócios. Assim, quando um grande grupo entra com pedido, o número cresce consideravelmente.
No Paraná, Grupo Vilella e Usina Santa Terezinha são nomes que estiveram entre a lista de empresas que pediram recuperação judicial neste ano. O grupo Santa Terezinha, formado por 28 empresas, fez o seu pedido em março. No plano de recuperação judicial apresentado em junho, a usina alega como motivos para o pedido a crise de crédito, as safras prejudicadas por questões climáticas e pelo achatamento do preço final, a contenção dos preços de distribuição da gasolina, entre outros.
A quebra de safra, o câmbio e a falta de crédito levaram o grupo Vilella a entrar com pedido de recuperação judicial em junho deste ano, diz João Vilella, agricultor e sócio do grupo. O grupo trabalha com soja, pecuária e reflorestamento e emprega cerca de 300 pessoas em propriedades em Cornélio Procópio e no Mato Grosso do Sul.
“A atividade agrícola é uma indústria a céu aberto. Se falta chuva, se chove demais, qualquer problema climático faz a produção baixar e a gente não consegue honrar com os compromissos. Recorremos à recuperação judicial nesse momento, para retomarmos o fôlego sem um dos nossos credores tirar a propriedade da gente, fazer o bloqueio dos bens.” Para o agricultor, a recuperação judicial foi a maneira encontrada de proteger a empresa e o emprego dos cerca de 300 trabalhadores. “É uma decisão difícil de se tomar.”
“Se olharmos para os dados nacionais, julho foi um mês ruim tanto no Paraná quanto no Brasil como um todo”, diz Luiz Rabi, economista da Serasa Experian. Na avaliação do economista, o elevado crescimento do número de pedidos em julho pode ter relação com o fato de o número de pedidos de recuperação judicial no mesmo mês de 2018 ter sido atipicamente baixo, em razão da greve dos caminhoneiros. “Tinha empresas que poderiam ter pedido recuperação judicial mas não o fizeram porque esperaram os efeitos da greve.” Mas, para Rabi, os dados também refletem a inadimplência das empresas, resultante dos problemas econômicos do País.
Conforme o presidente da ACP (Associação Comercial do Paraná), Gláucio Geara, a inadimplência das famílias brasileiras chega a 51%. O Brasil está passando pelo maior período de recessão econômica dos últimos 40 anos, causada pela crise política. “Desde o início de janeiro deste ano se falou muito em Reforma da Previdência e agora na Tributária, mas não foi o suficiente para recuperarmos esses quatro anos que perdemos.” O elevado número de empresas com problemas financeiros é o que levou ao crescimento nos pedidos de recuperação judicial, opina Geara.
Inadimplência
Diretor financeiro da Acil (Associação Comercial e Industrial de Londrina), Rodrigo Zanluchi conta ter visto que as dificuldades financeiras das empresas se estenderam durante todo o primeiro semestre devido à baixa circulação da economia e à situação de inadimplência. “Havia a expectativa do empresariado que, com o novo governo, as coisas passariam a fluir rapidamente, mas isso pudemos ver que não aconteceu. As dificuldades permaneceram e a atividade econômica não se aqueceu.” Para Zanluchi, as empresas que já tinham o intuito de entrar em recuperação judicial, aguardaram a entrada deste ano para ver se a economia se aqueceria. Não vendo sinais de recuperação, decidiram pela recuperação judicial, inflando os números de pedidos em 2019.
“O que leva uma empresa à recuperação judicial é a crise. A empresa estar em crise. Do próprio setor, por uma falta de gestão administrativa mais profissionalizada, mas, principalmente, porque o mercado oscila”, observa Alan Mincache, advogado e sócio sênior da Federiche Mincache Advogados. De acordo com ele, a guerra comercial entre EUA e China também deve ter levado muitas empresas que exportam à entrarem em crise. No setor de agro, bastante significativo no Estado, as oscilações nos preços das commodities e do custo de produção também tê m feito com que as empresas passem por dificuldades.
“As empresas têm uma máquina muito pesada, porque têm que pagar colaboradores, tributos, estrutura, um arcabouço de custos que, produzindo ou não, têm que ser honrados. E quando a crise acontece e a margem começa a diminuir, elas começam a entrar em crise”, comenta Mincache. “É fato também que as próprias instituições financeiras começam a desacreditar e deixar de fazer empréstimos para capital de giro. E aí a empresa começa a gastar suas reservas e caminhar para a insolvência”, ele continua. É nesse momento que as empresas precisam “congelar o passado” e se reestruturar para sobreviver.
Maioria das empresas não consegue se recuperar
Segundo o economista da Serasa Experian, Luiz Rabi, menos de 20% das empresas que entram em recuperação judicial conseguem, de fato, se recuperar. Para o advogado Alan Mincache, um dos principais motivos para isso é o fato delas entrarem com o pedido de recuperação judicial tardiamente. “O empresário não pode esperar a empresa chegar no fundo do poço para pedir recuperação judicial. Porque aí realmente a empresa vai estar falida. Tem que pedir em um momento que ela tem condição e viabilidade de se recuperar.”
Cara e demorada, a recuperação é um “remédio amargo” para o empresário, diz o economista Luiz Rabi. Por isso, o melhor é renegociar as dívidas antes mesmo de pedir a recuperação judicial. A Lei de Recuperação Judicial está sendo rediscutida no Congresso Nacional para que sua eficácia seja melhorada, lembra Rabi. Mesmo assim, trata-se de um remédio menos amargo que a concordata, única ferramenta antes disponível aos empresários que passavam por dificuldades financeiras.
Embora a maioria das empresas que entram em recuperação judicial não consigam se recuperar, a ferramenta jurídica tem como pressuposto a preservação da empresa, ressalta o advogado Alan Mincache.
Há alguns anos, o empresário Idemir Bernardi investiu mais de R$ 3 milhões na compra de seis caminhões para a sua empresa de transporte de cereais, mas o preço do frete caiu 40% a 50% e o do diesel aumentou 50%. Além disso, os motoristas se envolveram em uma série de acidentes nas estradas, forçando a empresa de Campo Mourão a pedir recuperação judicial para retomar a saúde financeira entre 2017 e 2018. Enquanto está em processo de recuperação judicial, os credores oferecem uma trégua para que o empresário possa recuperar sua capacidade de pagamento. “A recuperação judicial vai ajudar. Nesse intervalo, tem a suspensão dos pagamentos e a justiça não pode fazer a busca de bens”, pontua Bernardi.
“Hoje e sempre sabemos que a atividade privada, empresarial, é que gera resultados para a sociedade de fato porque emprega, gera renda, faz a circulação do dinheiro acontecer e gera tributos”, destaca o advogado Alan Mincache. Especialmente em um País tomado por crises e oscilações econômicas, a recuperação judicial assume papel importante. “A lei de recuperação judicial é um remédio para tentar preservar a atividade empresarial, que é a célula produtiva da sociedade. O pior cenário é o da falência, porque a falência desemprega, deixa de fazer que a empresa produza receitas, renda, tributos”, conclui o advogado.
Discussão gera insegurança entre produtores rurais
O Código Civil estabelece que o produtor rural não precisa se registrar na Junta Comercial para ser considerado empresário. Por outro lado, a lei de recuperação judicial diz que, para uma empresa usufruir do direito descrito na lei, é preciso comprovar dois anos de atividade com registro na Junta Comercial.
Segundo o advogado Alan Mincache, o assunto tem causado polêmica no meio jurídico e envolve a interpretação que se faz da legislação.
O agricultor João Vilella, do Grupo Vilella, também foi incluído no pedido de recuperação judicial do grupo como pessoa física. Mas ainda há decisões favoráveis e contrárias a pedidos de recuperação judicial por produtores rurais. “É importante que a pessoa física também tenha esse apoio (da recuperação judicial) para ter fôlego para cumprir com seus pagamentos. A recuperação judicial é uma ferramenta para proteger o empresário”, aponta Vilella.
De acordo com Mincache, essa discussão parte principalmente das instituições financeiras, que detêm a maior parte do crédito tomado pelos produtores e pressionam o judiciário para evitar que tenham de se submeter a um plano de recuperação judicial para receber seus pagamentos.
“Uma pedra é pedra só porque, legalmente, se diz que é pedra?”, questiona o advogado. “Ela é pedra porque é pedra. O produtor rural, o empresário rural que empreende ruralmente é empresário porque empresaria de fato. E o Direito não pode negar essa condição a ele. Então, o Direito não pode negar a ele o direito de se recuperar, porque a lei de recuperação judicial tem como objetivo a preservação da empresa.”