02/10/2019 às 00h00 com informações de Valor Econômico

Empresas criam normas para controlar uso do WhatsApp

Empresas têm estabelecido regras para a participação de gestores e funcionários em grupos de trabalho no WhatsApp ou aplicativos similares. A principal preocupação das companhias é com processos trabalhistas, mas também com a possibilidade de vazamento de informações sigilosas e com a própria imagem.

Empregadores já foram condenadas, por exemplo, a pagar danos morais a ex-funcionários pela cobrança de metas fora do expediente ou pela exposição a situações constrangedoras. Há ainda casos de trabalhadores demitidos por meio do aplicativo.

A ideia é deixar claro quais são as responsabilidades dos funcionários e gestores no uso desses aplicativos e alertar que o empregador pode ter acesso às informações publicadas e tomar medidas por eventuais abusos. Segundo Paulo Sardinha, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), as empresas tentam ter um controle maior e mitigar riscos de ações judiciais ou o uso indevido de informações das organizações.

Os termos preveem, em geral, que a participação em grupos de WhatsApp é voluntária e que o empregado não tem obrigação de responder a mensagens durante a jornada, após o expediente ou durante as férias. Ainda estabelece que a empresa deve ser comunicada da criação de grupos para discutir assuntos profissionais.

Alguns textos também informam que dados como custos, clientela, fornecedores, estratégias, sistemas e negócios da empresa são confidenciais. E se necessário, autorizam o acesso do empregador ao celular do funcionário. Em alguns casos, estabelecem que se ocorrer a rescisão contratual o funcionário deve se retirar do grupo.

Os termos assinados pelos empregados, juntamente com o código de conduta e ética, são usados para que se dê ciência ao tipo de comportamento esperado e medidas cabíveis em caso de descumprimento, segundo o advogado trabalhista Alexandre Almeida Cardoso, do TozziniFreire Advogados.

Apesar de o tema ser importante, o advogado diz ser mais usual a política de monitoramento de e-mails. Mas o interesse, acrescenta, tem aumentado. “Alguns clientes acabam discutindo a questão do WhatsApp por sugestão nossa. Muitas vezes o tema não estava no radar”, afirma. Esses termos, em geral, são personalizados conforme as peculiaridades de cada companhia.

O advogado Túlio Massoni, do Romar, Massoni e Lobo Advogados, também tem redigido termos semelhantes para grandes empresas preocupadas com o alcance das mensagens. “Tem que ficar esclarecido que se trata de uma ferramenta de trabalho para circular informações, sem obrigatoriedade de resposta, e não ordem de serviço.”

Para ele, a comunicação deve ser respeitosa. “Os gestores não podem fazer represálias públicas, que gerem desconforto ao funcionário”, diz. Ele acrescenta ser importante oferecer treinamentos sobre a política de valores da empresa para prevenir assédio moral, discriminação, entre outras condutas.

Mesmo em grupos informais criados entre colegas, se houver qualquer tipo de reclamação sobre o conteúdo, a empresa, de acordo com Massoni, tem que tomar providências para zelar pelo ambiente de trabalho saudável.

O principal objetivo desses termos, destaca Alexandre Cardoso, do TozziniFreire Advogados, tem sido regulamentar o acesso das empresas a aparelhos celulares, até mesmo pessoais, “sem que isso gere desconforto por parte do empregado com relação à privacidade”. É importante, diz, que as companhias possam monitorar o conteúdo das discussões por questões de segurança, sigilo, cumprimento de regras de compliance e de conduta, o que pode evitar ações judiciais.

A cobrança de metas pelo WhatsApp fora do expediente, por exemplo, já rendeu pelo menos duas condenações no Tribunal Superior do Trabalho (TST). Os casos envolvem empresas de telefonia. Uma delas foi obrigada a indenizar em R$ 5 mil uma ex-funcionária (AIRR - 108 22- 50.2015.5.01.0008). Os ministros da 3ª Turma entenderam que houve a prática de abuso dos superiores, ao cobrarem metas durante o período de descanso, “de forma a causar dano à integridade física e psíquica”.

O outro processo gerou condenação de R$ 3,5 mil. “Para que mandar mensagem fora do horário de trabalho? Isso invade a privacidade, a vida privada da pessoa, que têm outras coisas para fazer e vai ficar se preocupando com situações de trabalho fora do seu horário”, ressaltou o relator, ministro Alexandre Agra Belmonte em sua decisão (RR - 10377-55.2017.5.03.0186).

Outra condenação foi por danos à imagem. Uma empresa de varejo alimentício foi obrigada a pagar R$ 3 mil de danos morais a um empregado que teve foto divulgada pelo superior hierárquico, sem autorização, em grupo de WhatsApp com outros empregados. A decisão é da juíza Lilian Piovesan Ponssoni, em atuação na 34ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte.

Na foto, o trabalhador aparecia em frente à loja onde trabalhava, mexendo com o celular. No grupo, o chefe teria escrito, segundo o processo, que “aquilo não era exemplo de funcionário”. Para a magistrada, ficou clara a intenção do chefe de macular a imagem do trabalhador (processo nº 0011623-14.2017.5.03.0113).

Há ainda condenações por demissão por meio do aplicativo. Um caso envolve uma empresa do Distrito Federal, obrigada a pagar R$ 10 mil de danos morais porque um gestor demitiu uma instrumentadora cirúrgica pelo grupo.

Segundo a juíza Maria Socorro de Souza Lobo, em exercício na 19ª Vara do Trabalho de Brasília, ficou clara a forma vexatória como o empregador expôs a rescisão contratual, submetendo a trabalhadora a constrangimento perante seus colegas (processo nº 0000999-33.2016.5.10.0019).

Diante das condenações judiciais o advogado Marcos Alencar afirma que os empregadores precisam orientar seus gestores para que tenham cautela no uso das ferramentas digitais “que são imprescindíveis, mas que podem se tornar uma arma contra a organização empresarial”. Segundo ele, “a reputação de uma pessoa, seja ela empregado, cliente, fornecedor e da própria pessoa jurídica, podem ser abaladas significativamente por situações infelizes”.

Apesar dos cuidados, Paulo Sardinha, presidente da ABRH, ressalta que as companhias correm o risco de não ter sucesso. “A empresa pode não ter culpa, mas mesmo assim a Justiça pode entender que é responsável pelo ocorrido”, diz.

Segundo ele, o WhatsApp e o Skype, por exemplo, são ferramentas públicas. Por isso, as empresas não conseguem ter domínio sobre o conteúdo e, diante dessa realidade, algumas têm optado por aplicativos desenvolvidos para a comunicação interna, que permitem maior controle das informações.