28/10/2019 às 00h00 com informações de O Globo

TST condena empresa a indenizar ex-funcionário por homofobia

Em maio de 2014, Udson da Silva Mafra começou a trabalhar na rede de atacado Assaí, na loja de Natal, Rio Grande do Norte. Foi quase um ano de perseguições, xingamentos e constrangimentos, inclusive na frente de clientes. Mafra, que é gay assumido, era chamado de “bicha, veado, fresco, fala fina”, diz ele, que foi demitido, em fevereiro de 2015.

Cinco anos depois de ter entrado com ação, a Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) confirmou a decisão de primeira instância de condenar a rede de supermercados a indenizá-lo em R$ 30 mil por homofobia.

Nesses oito meses que passou no trabalho, ele deprimiu. A rotina constante de constrangimento, tanto por parte dos colegas como dos chefes imediatos, o deixou doente, com dificuldades para dormir. 

- Ouvia ofensas de colegas e de superiores. As coisas amenas que eu escutei foi bicha, veado, fresco, fala fina.  Eu ia levando como dava, não podia pedir as contas, sair perdendo meus direitos, mas não podia simplesmente aceitar aquilo. Suportei o máximo o que eu pude, fiz várias reclamações no RH, reclamações anônimas ao Ministério de Trabalho, mas nada resolveu. 

Segundo Mafra, quanto mais ele denunciava, mais piorava a situação. Retaliações vinham depois das queixas. Sempre era o último a ter o caixa fechado e acumulava funções. Os piores momentos, conta, aconteciam no vestiário e no restaurante.  

- Não dá para aguentar oito meses, trabalhar e ter ataques, não ver nada sendo feito. Eu revidei com palavras. Teve um dia em que um colega teve que trabalhar ao meu lado e falou: “não vou trabalhar do lado de veado”, na frente dos clientes - lembra Mafra. 

1ª condenação no TRT de Natal

Segundo a advogada de Mafra, Cintia Cecílio, a condenação veio pela perseguição sofrida por ele. O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Natal condenou a rede Assaí a pagar R$ 30 mil ao ex-funcionário. Foi a primeira decisão de condenação por homofobia no tribunal.

A empresa recorreu, e o caso foi ao TST. A relatora do processo, ministra Dora Maria da Costa, votou por uma redução no valor da indenização determinado pelo TRT, de R$ 30 mil para R$ 15 mil.

A sustentação oral da advogada no julgamento garantiu os dois votos dos ministros da Turma, mantendo o valor em R$ 30 mil.

- A indenização tem que ser educativa para empresas, para que as elas entendam que o Judiciário não vai aceitar atitudes homofóbicas. Se esses fatos tivessem ocorridos neste ano, depois que o STF (Supremo Tribunal Federal) considerou crime a homofobia (em julho deste ano), os responsáveis poderiam responder criminalmente. Não se pode fechar olhos para esses abusos. Não era só uma brincadeira, era algo muito maior, ele era motivo de chacota inclusive dos superiores. A empresa foi 100% omissa. A empresa foi condenada por omissão  

A rede Assaí não respondeu se vai recorrer da decisão, entrando com recurso extraordinário no Supremo nem se houve qualquer tipo de treinamento na unidade onde aconteceu o caso, para evitar novas situações de homofobia.

Assaí: 'repúdio a ato discriminatório'

Afirmou, por nota, que “repudia veementemente qualquer ato discriminatório e que as situações relatadas pelo ex-colaborador não correspondem ao padrão de conduta exigido pela empresa de seus funcionários em seu Código de Ética”.  

A empresa diz que “promove o respeito à diversidade e aos direitos humanos e, anualmente, trabalha uma agenda interna com diferentes ações cujo foco são a conscientização e o engajamento de seus colaboradores para diferentes temáticas de inclusão, incluindo LGBTI+, gênero, pessoas com deficiência, raça e diferenças geracionais”.

Mafra não teve mais trabalho com carteira assinada desde que foi demitido. Além da depressão, teve dificuldade para conseguir novo emprego. 

- Passei por uma série de dificuldades, vendi água no sinal, salgado na porta de faculdade. Durante esses cinco anos de processo, nunca mais trabalhei de carteira assinada. 

Mas contou com a solidariedade para conseguir ir ao julgamento, em Brasília. Para pagar a viagem, fez uma vaquinha on-line e contou com amigos para ter onde ficar na capital federal, além da participação, segundo ele, decisiva para convencer os ministros. 

- Só cheguei aqui graças à solidariedade das pessoas. Eu venci, e o processo mudou a jurisprudência, que até então limitava a R$ 20 mil as indenizações.