Governo tenta criar de novo o ‘Carf trabalhista’
A Medida Provisória 905, que cria o programa Verde-Amarelo e promove uma minirreforma na legislação do trabalho, trouxe de volta uma ideia que surgiu e foi derrubada na tramitação da MP da Liberdade Econômica: o chamado “Carf trabalhista”. O mecanismo é inspirado no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que analisa as autuações tributárias feitas pela Receita Federal.
O modelo proposto pelo governo seria a criação de uma nova instância recursal, antes da esfera judicial, para as decisões tomadas pelos auditores do trabalho. Pelo projeto, será composto por representantes dos trabalhadores, dos empregadores e dos Auditores do Trabalho, “designados pelo Secretário Especial de Previdência e Trabalho do ministério da Economia”.
Além do “Carf trabalhista”, a MP adota outras medidas que afetam diretamente o trabalho dos auditores, como a regra padrão de dupla visita aos estabelecimentos empresariais e a necessidade de decisão de embargo de alguma atividade não poder ser tomada por um auditor de forma isolada.
O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) avalia que a MP 905 cria uma série de interferências indevidas na atuação desses profissionais. “Profundas e equivocadas, quando não extremamente prejudiciais ao equilíbrio das relações de trabalho e lesivas aos direitos dos trabalhadores”, diz o Sinait, em nota.
Ao Valor, o presidente do Sinait, Carlos Silva, disse que o desenho proposto pelo governo cria risco de politização das decisões relacionadas às empresas, dado que o conselho será composto por indicados pelo secretário-especial de Previdência e Trabalho, cargo hoje ocupado pelo ex-deputado Rogério Marinho, que foi o relator da reforma trabalhista em 2017.
Silva explicou que hoje há direito a duas instâncias de recursos às decisões do auditor fiscal. Segundo ele, o fato de serem outros auditores a examinar os autos de infração garante a independência e proteção institucional aos processos, blindando-os de interferências externas. “A MP legaliza a interferência política na inspeção do trabalho”.
O professor de direito do trabalho Ricardo Calcini defende a medida e avalia que o fato de o tema já ter sido discutido na Câmara não impede a reapresentação do assunto na MP 905. “A importância do Carf Trabalhista é ter uma estrutura para discutir os autos de infração lavrados em razão de descumprimento da legislação trabalhista. O ideal é que tenhamos efetivamente discussão administrativa para saber se os autos devem subsistir ou não”, disse Calcini.
“Hoje o problema maior da estrutura é que quem julga os recursos apresentados em Brasília é outro auditor fiscal. Com a criação do Carf trabalhista teremos composição plural, que não é com os fiscais do trabalho, mas também do empresariado e dos empregados. Essa composição fará com que tenhamos decisão não corporativa e mais justa, plural e democrática”, completou.
Para Carlos Silva, do Sinait, outra medida preocupante de “politização” do trabalho dos fiscais é a que estabelece que o embargo de atividade só pode ocorrer mediante determinação da “autoridade máxima regional”. Segundo ele, hoje decisão judicial respalda embargos individuais de auditores que enxergarem grave risco e lembrou que a autoridade máxima regional é o superintendente do trabalho, indicado politicamente.
O secretário de trabalho do ministério da Economia, Bruno Dalcomo, disse que essa interpretação é equivocada. Segundo ele, a autoridade máxima regional da qual a MP trata não é indicada politicamente, e sim um auditor do trabalho. Dalcomo afirmou ao Valor que a criação do “Carf trabalhista” também não gera risco de politização das decisões e que a medida melhora o sistema recursal. Ele lembrou que auditores do trabalho terão participação nesse conselho, com igual peso em relação aos trabalhadores e empregadores.
Dalcomo argumentou que não faz sentido um sistema em que os auditores fazem as normas, a fiscalização e todos os recursos administrativos. Ele ponderou ainda que outras medidas na área da fiscalização do trabalho buscam harmonizar o sistema, porque hoje cada auditor tem uma visão própria, gerando decisões muitas vezes completamente diferentes nos diversos lugares do país. Nesse sentido, explicou, a partir da MP serão criadas sete delegacias regionais do trabalho, compostas por auditores fiscais, dentro de superintendências já existentes e que trabalharão para harmonizar o seu desenho de atuação.