09/12/2019 às 00h00 com informações de Valor Econômico

Fisco veta compensações de empresas que discutem o cálculo do PIS-Cofins

A Receita Federal vem usando a exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins como justificativa para vetar compensações feitas por contribuintes. Isso aconteceu com pelo menos duas exportadoras que haviam utilizado créditos escriturais das contribuições sociais para pagar tributos. Esses créditos são gerados por causa da sistemática da não cumulatividade e não fazem parte da discussão sobre o imposto estadual. Para o Fisco, porém, as duas coisas estão interligadas. Na época em que foram transmitidas as compensações, havia ações em curso, movidas pelas empresas, para discutir a retirada do

Nos dois casos, a Receita Federal entendeu que o resultado dos processos em andamento poderia interferir nos valores das compensações. Por esse motivo, desconsiderou as operações. As duas decisões foram emitidas pela Delegacia Especial de Maiores Contribuintes (Demac) do Rio de Janeiro e estão assinadas pela mesma auditora fiscal. Um dos casos envolve cerca de R$ 2 bilhões e o outro aproximadamente R$ 10 milhões. 

Exportadoras costumam acumular muitos créditos porque nas vendas ao exterior não há tributação. Elas pagam PIS e Cofins na entrada, quando adquirem os produtos que serão exportados, mas não conseguem compensá-los na saída. A legislação prevê que, nessas hipóteses, as companhias podem pedir a restituição dos valores. A maioria converte a restituição em compensação (pagamento de outros tributos com os créditos). Foi exatamente isso o que aconteceu nos dois casos.

As empresas haviam utilizado os créditos acumulados de PIS e Cofins para o pagamento de Imposto de Renda e CSLL. A Demac do Rio de Janeiro considerou essas compensações - realizadas nos anos de 2015 e de 2016 - como “não declaradas”. Os débitos ficaram em aberto, como se o Imposto de Renda e a CSLL nunca tivessem sido pagos e as empresas ainda foram multadas em 75%. 

Esse é mais um dos desdobramentos da chamada “tese do século”. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em março de 2017, que o imposto estadual não faz parte da base de cálculo do PIS e da Cofins. A Fazenda Nacional apresentou recurso (embargos de declaração) contra a decisão em outubro daquele ano. O recurso da Fazenda ainda está pendente de julgamento. Estava pautado para esta semana, mas foi retirado pelo presidente do STF, ministro Dias Toffoli. A tese em discussão é uma das mais importantes da área tributária.

A Fazenda havia afirmado, em 2017, que o impacto aos cofres públicos poderia ser de mais de R$ 200 bilhões, considerando os valores a serem devolvidos aos contribuintes. Hoje, a perda anual de arrecadação a partir da conclusão do julgamento é estimada pela área econômica do governo em R$ 47 bilhões. Advogados afirmam que a pendência no STF - que já dura mais de três anos - têm gerado uma série de problemas para os contribuintes. Especialmente, dizem, em razão das estratégias que vêm sendo adotadas pela Receita Federal para dificultar as compensações. 

Até agora, no entanto, tais medidas estavam relacionadas ao uso dos créditos gerados com as próprias ações sobre a exclusão do ICMS. Há contribuintes que já têm processos finalizados (transitados em julgado) e que, em teoria, poderiam pedir o ressarcimento do que foi pago a mais ou fazer compensações. 

Essa é a primeira vez que as compensações vetadas não estão diretamente relacionadas aos processos sobre ICMS. Nos despachos emitidos pela Demac consta que se o contribuinte não incluir o imposto na base das contribuições, também não poderá incluí-lo no cálculo dos créditos, “sob pena de ferir-se o equilíbrio do sistema”.

A auditora fiscal que assina os documentos aplicou o artigo 59 da Instrução Normativa nº 1.717, de 2017. Esse dispositivo diz que “é vedado o ressarcimento de crédito cujo o valor possa ser alterado total ou parcialmente por decisão definitiva em processo judicial ou administrativo fiscal”. Advogados enxergam esse movimento como “extremamente perigoso” para os contribuintes e afirmam que, se replicado, poderá inviabilizar as compensações com o uso de quaisquer créditos de PIS e Cofins. “O potencial lesivo é gigante”, avalia Leonel Pittzer, sócio do escritório Fux Advogados. “Todas as empresas discutem a exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins e a possibilidade de créditos de PIS e Cofins sobre insumos”, acrescenta. Ele cita a questão dos insumos por também se tratar de crédito escritural e por ser uma das de maior volume na esfera administrativa e judicial. “Quem garante que a Receita não vai aplicar a mesma lógica?”. 

Julio Janolio, sócio do escritório Vinhas e Redenschi Advogados, atua para as duas exportadoras. Ele diz que o argumento usado pela Receita Federal não se aplica aos casos. Segundo ele, o artigo 74, parágrafo 12, da Lei nº 9.430, de 1996, é claro no sentido de que a compensação será considerada não declarada se o crédito que foi utilizado pelo contribuinte estiver pendente de decisão judicial. A Receita, enfatiza, se utilizou de discussão judicial paralela para vetaras compensações.

O advogado afirma ainda que as duas situações têm em comum somente o fato de tratarem das mesmas contribuições - o PIS e a Cofins. “A tese da exclusão do ICMS não afeta o pedido de ressarcimento. Não há qualquer relação entre os dois casos”, diz ele, acrescentando que, ao agir desta forma, a Receita cria “uma verdadeira distorção no ordenamento jurídico que dispõe sobre a restituição”. 

Como as compensações foram consideradas não declaradas, os contribuintes não poderão discutir as decisões na esfera administrativa. O advogado Julio Janolio afirma que apresentou, nos dois casos, recurso hierárquico, que será apreciado pela Demac do Rio de Janeiro. Se não for aceito, recorrerá ao Judiciário. A Receita Federal foi procurada pelo Valor, mas não deu retorno até o fechamento da edição.