STF forma maioria para criminalizar calote de ICMS
O plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria (seis votos), nesta quinta-feira (12), para considerar crime o não pagamento do ICMS declarado pelo comerciante à Fazenda estadual.
Com placar parcial de 6 votos a 3 pela criminalização, o presidente do tribunal, Dias Toffoli, pediu vista e adiou o término do julgamento para a próxima quarta (18). Faltam apenas os votos de Toffoli e Celso de Mello.
A discussão é se o não pagamento do ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e serviços) é mera inadimplência ou se é crime como o de apropriação indébita, uma vez que o comerciante recebeu do consumidor o valor, que estava embutido no preço da mercadoria, e não o repassou ao estado.
A situação em debate é diferente da sonegação, quando o empresário omite das autoridades o valor que deve ser pago. O que se discute são os casos em que os comerciantes informam o ICMS devido, mas não pagam no prazo.
Na quarta (11), quando o julgamento começou, o relator do processo, ministro Luís Roberto Barroso, votou pela possibilidade de criminalização, considerando a análise caso a caso. Para ele, o juiz deve diferenciar se o empresário é um devedor contumaz ou se não pagou no prazo por estar enfrentando alguma dificuldade financeira.
Os ministros Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Edson Fachin, Rosa Weber e Cármen Lúcia acompanharam Barroso, formando a maioria.
Gilmar Mendes abriu a divergência, afirmando que o não pagamento é mero inadimplemento, e não crime. Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio acompanharam Gilmar.
A discussão chegou ao Supremo a partir de um caso de dois empresários de Santa Catarina. Eles declararam operações de venda ao fisco mas deixaram de pagar o ICMS devido. Foram denunciados pelo Ministério Público estadual sob acusação de crime previsto na lei que define os crimes contra a ordem tributária (lei nº 8.137/1990).
O crime é o de “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”.
O juiz de primeira instância absolveu os empresários por considerar que o fato não se enquadrava nessa lei. O Ministério Público recorreu, e o Tribunal de Justiça catarinense condenou os comerciantes.
A Defensoria Pública pediu habeas corpus ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), que rejeitou o pedido e considerou que o não pagamento havia configurado crime. A defensoria, então, recorreu ao Supremo contra a decisão do STJ.
A decisão do STF pela criminalização vale apenas para o caso concreto de Santa Catarina, mas serve como uma sinalização da corte para as instâncias inferiores.
Hoje, segundo Barroso, cada Tribunal de Justiça entende de uma maneira. Em Santa Catarina, por exemplo, o não pagamento do ICMS declarado é considerado crime, enquanto no Rio Grande do Sul, não.
Enquanto a inadimplência no primeiro estado é de cerca de 4%, disse o ministro, no segundo chega a 8%.
Ainda segundo Barroso, a acusação criminal causará transtornos ao empresário que não pagar o ICMS declarado, mas não levará para a cadeia porque as penas previstas são baixas.
“É praticamente impossível que alguém seja efetivamente preso por esse crime. A pena é bem baixa, de seis meses a dois anos. São cabíveis transação penal e suspensão condicional do processo, e, em caso de condenação, substituição [da prisão] por penas privativas de direito”, disse.
“O cidadão comum paga mais caro [pela mercadoria] para que o comerciante recolha esse tributo para a Fazenda estadual. Tenho dificuldade para entender que argumento legitimaria que o comerciante, que acresceu esse valor ao preço, pudesse não recolhê-lo ao Fisco. Os comerciantes são meros depositários desse ingresso de caixa que deve ser recolhido aos cofres públicos”, afirmou.
Moraes usou o mesmo argumento. “Aquele que recolhe esses valores [ICMS] tem a posse temporária. Não se transformou de dinheiro público, vindo de imposto, em patrimônio particular. No momento em que ele [comerciante] se apropriou, ele se apropriou indevidamente”, disse.
Fachin afirmou que deixar de pagar ao estado o ICMS declarado “não denota apenas e tão somente inadimplemento, mas, sim, disposição de recursos de terceiros, aproximando-se de uma espécie de apropriação tributária”.
Para Cármen Lúcia, o valor do ICMS que o comerciante recebe ao vender uma mercadoria apenas transita pela conta dele, sem se incorporar ao seu patrimônio. Assim, o recolhimento ao fisco estadual é “uma obrigação insuperável”.
Gilmar, diferentemente, considerou que, para haver crime, é preciso haver fraude, como acontece nos casos de sonegação. “A intervenção criminal só se justifica na medida em que houver fraude pelo agente. Na falta de tal elemento, resta cristalino o vilipêndio da criminalização do mero inadimplemento.”
Marco Aurélio demonstrou perplexidade com a decisão da maioria. “Jamais este tribunal assentou que, em se tratando de débito fiscal, tem-se a possibilidade de partir-se para a glosa penal”, afirmou. “Para mim é um passo demasiadamente largo.”
Várias entidades ingressaram no processo como “amicus curiae” (amigas da corte, em latim), como a FecomercioSP e a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
“A inadimplência só ganha relevância penal quando ela é acompanhada da fraude, da sonegação. A mera inadimplência, quando é declarada, é um problema civil, é um problema tributário [e não penal]”, defendeu o advogado dessas entidades, Pierpaolo Bottini.
Ele destacou que a legislação brasileira não permite a prisão por não pagamento de dívida.
Do outro lado, a advogada Luciana Marques Vieira da Silva Oliveira, que representou todos os estados, disse que deixar de criminalizar a conduta gera perdas para os estados, que consequentemente deixam de prestar serviços relevantes para a população.