09/01/2020 às 00h00 com informações de Valor Econômico

Leis de Estados podem ajudar MP em ações penais contra empresários

Ao menos 11 Estados têm definidos em lei os critérios para caracterizar o devedor contumaz de tributos - que de maneira reiterada deixa de pagar o ICMS. Esses contribuintes ficam sujeitos a ter a situação divulgada no site das secretarias de Fazenda ou serem impedidos de aproveitar benefícios fiscais. Para classificar esses devedores, todas as normas consideram o prazo de inadimplência e o valor da dívida. E alguns Estados ainda compartilham as listas de devedores com o Ministério Público (MP).

Segundo advogados, essas normas poderão suprir uma lacuna deixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento que possibilita criminalizar empresários que declaram, mas não recolhem ICMS. Em dezembro, os ministros julgaram ser crime casos em que for demonstrado existir dolo (intenção) e comportamento reiterado por parte do contribuinte. Os critérios para a caraterização das duas condutas, porém, não foram determinados e é pouco provável que isso conste no acórdão (ainda pendente de publicação).

O relator do caso (RHC 163334), ministro Luís Roberto Barroso, afirmou à reportagem no fim do julgamento, em 18 de dezembro, que as condutas devem ser analisadas pelos juízes conforme cada caso.

O advogado Luiz Gustavo Bichara, sócio do Bichara Advogados, afirma que a definição ficou vaga. “E, certamente, por isso, o Ministério Público vai se lastrear nas leis estaduais para definir o que é contumácia e ajuizar a ação contra o contribuinte”, diz. O problema, afirma, é que essas leis são diferentes, variam de Estado para Estado, o que pode gerar desigualdade.

Os Estados começaram a publicar legislação específica sobre devedores contumazes há cerca de cinco anos - principalmente para a criação de regimes especiais. O Rio Grande do Sul é um dos Estados que compartilham as listas dos devedores com o Ministério Público. Criou, em 2018, o Comitê Institucional de Recuperação de Ativos, que prevê ações conjuntas entre Receita Estadual, Procuradoria-Geral (PGE) e MP.

Mario de Oliveira Palma, auditor-fiscal da Receita gaúcha, diz que mais de 30 nomes de grupos econômicos do Estado, classificados como devedores contumazes, foram compartilhados desde a criação do comitê. “E agora que há essa decisão do STF nós vamos intensificar o trabalho”, afirma. “Primeiro nós notificamos. Se o devedor não regulariza a sua situação, fazemos todo um trabalho de análise de grupo econômico e desvio patrimonial e encaminhamos as informações para que a PGE e o MP tomem as medidas necessárias.”

Antes da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a criminalização, em agosto de 2018, o Rio Grande do Sul e outros seis Estados tinham leis sobre esse tema: Bahia, Espírito Santo, Goiás, Paraná, Santa Catarina e São Paulo.

Outros quatro - Maranhão, Mato Grosso, Paraíba e Rio Grande do Norte - publicaram a norma no período entre o julgamento do STJ e o do Supremo. E há estimativa de que, com a decisão do STF, essa lista aumente. O Rio de Janeiro, por exemplo, poderá ser o próximo. A Secretaria de Fazenda informou ao Valor que está em tratativas com a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) para a elaboração de uma proposta de lei.

São Paulo, que editou lei em abril de 2018 - quatro meses antes do julgamento pelo STJ - considera devedor contumaz o contribuinte que declara e não paga o imposto por seis meses, consecutivos ou não, em um período de 12 meses ou cujo o débito totalize valor superior a 40 mil Ufesps (Unidades Fiscais), o equivalente a pouco mais de R$ 1 milhão (Lei nº 1.320, de 2018).

Minas Gerais é o único Estado com prazo e valores iguais aos de São Paulo. A maioria - sete dos 11 Estados com lei sobre o assunto - fixou prazo e/ou valores menores para o enquadramento. Alagoas e Pernambuco, por exemplo, estabeleceram os mesmos seis meses de inadimplência, mas o total do valor das dívidas é mais baixo - a partir 250 mil e de 500 mil, respectivamente.

Já Bahia e Rio Grande do Norte fixaram prazo de três meses para configurar a contumácia. No Espírito Santo são cinco meses e em Goiás e Mato Grosso são quatro meses seguidos de inadimplência ou oito intercalados nos 12 meses anteriores ao último inadimplemento. Nos três Estados do Sul do país, por outro lado, os prazos para caracterizar a contumácia são maiores, de oito meses.

O advogado Eduardo Muniz Cavalcanti, do Bento Muniz Advocacia, chama a atenção que as leis estaduais ainda passarão pelo crivo do Supremo. Ele cita uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4.854) ajuizada pelo Partido Social Liberal (PSL) em 2012 para questionar a lei do Rio Grande do Sul. No processo, o argumento do partido é o de que somente lei complementar poderia fixar os critérios que constam na lei gaúcha.

Sob relatoria do ministro Celso de Mello, a ação está parada desde 2015. A última movimentação, segundo consta no andamento, aconteceu no dia 3 de agosto daquele ano com a informação de que o processo está pronto para ser votado pelo relator.

Na visão do advogado Julio Janolio, sócio do Vinhas e Redenschi, a iniciativa dos Estados “é interessante” porque “diferencia os tipos de contribuintes”. “Separa o joio do trigo”, diz. O especialista pondera, no entanto, que quando não há uniformidade, pode haver excessos e, por esse motivo, ele entende que seria importante uma lei federal estabelecer os parâmetros a ser seguidos.

“E já existem projetos de lei complementar sobre o devedor contumaz”, afirma. Um deles, de nº 284/17, tramita no Senado e o outro, de nº 1.646/19, na Câmara.

Já Humberto Marini, do Campos Mello Advogados, alerta que a possibilidade de criminalizar a conduta do empresário não pode ser vista de forma isolada - somente pelo viés do devedor contumaz. “É preciso identificar se houve dolo”, diz. “E isso não consta em nenhuma das leis”. Segundo Marini, o que preocupa é estar enquadrado como devedor contumaz e ter que demonstrar que não está na situação de dolo. “Isso é muito preocupante para o empresariado, especialmente em um país como o Brasil, em que crises econômicas acontecem com frequência.”