TJ-SP admite penhora de parte de salário de devedor
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) começou a admitir a penhora de parte de salário, quando a medida não comprometer a subsistência do devedor e de sua família. Apesar de o Código de Processo Civil (CPC) de 2015 vedar expressamente a apreensão desses valores, os desembargadores têm aceitado os pedidos, com base em julgamento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Em outubro de 2018, os ministros decidiram flexibilizar a impenhorabilidade estabelecida pelo inciso IV do artigo 833 do CPC (Lei nº 13105, de 2015). Admitiram, conforme as peculiaridades de cada caso, a penhora de até 30% das verbas de natureza alimentar recebidas pelo devedor.
Em um caso julgado recentemente pelo TJ-SP, os desembargadores da 12ª Câmara de Direito Privado autorizaram a penhora de 10% do salário de um chef de cozinha para quitar dívida que ele tem com ex-sócio de um antigo restaurante. A defesa do credor conseguiu comprovar, por meio de informações das redes sociais, que ele tem um padrão médio de vida e que a medida não prejudicaria a sobrevivência dele.
O devedor fez uma dívida com antigo sócio no valor de R$ 130 mil, que seriam pagas em 60 vezes, para a abertura de um restaurante. Porém, segundo o processo, ele saiu do negócio e deixou de pagar as parcelas. Em seguida, foi contratado por uma rede hoteleira por um salário de R$ 10 mil.
Na decisão, unânime, os desembargadores levaram em consideração que o devedor mora em local valorizado e, que pelas redes sociais, é possível detectar que ele faz viagens frequentes ao exterior, além de frequentar bares e restaurantes de luxo.
Em seu voto, o relator, desembargador Tasso Duarte de Melo, lembrou que, como regra, o salário é impenhorável. Porém, decidiu seguir o entendimento do STJ. No caso analisado pelos ministros, o salário mensal do devedor era de R$ 33 mil. “Valor muito superior ao ganho médio mensal da imensa maioria da população brasileira”, diz o julgador, ao considerar que os 30% não são uma baliza fixa.
Para ele, a penhora de 10% do salário do chef de cozinha, no valor de R$ 10 mil, “não irá violar sua dignidade ou da sua família, pois possível, mesmo diante da referida constrição, a manutenção do padrão médio de vida”.
Na 14ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, os desembargadores foram além e determinaram a penhora de 50% dos R$ 13 mil recebidos como prestação de serviços por um médico. Ele deve aproximadamente R$ 160 mil de um empréstimo bancário. Em seu voto, o relator, desembargador Melo Colombi, afirma que, “em casos em que se observe que o rendimento do devedor pode fazer frente ao pagamento de suas despesas básicas e ainda suportar pagamento, ainda que parcial, de sua dívida para com o credor, deve-se buscar o prevalecimento do princípio da efetividade”.
Para a advogada e professora Heloisa Herrera, a impenhorabilidade sobre salário ou qualquer verba de natureza alimentar é o que se impõe pelo ordenamento jurídico brasileiro, com o objetivo de garantia constitucional, em especial da dignidade humana. “Relativizar tal preceito não só é ilegal, como inconstitucional e, com todo o respeito de quem pense o contrário, é uma afronta aos princípios do Estado democrático de direito”, diz.
Relativizar o texto legal expresso, acrescenta, “é uma falácia” que o Judiciário deve combater veementemente. “O artigo 833 do Código de Processo Civil é claro, objetivo e não cabe interpretação”, afirma a advogada.
Na Justiça do Trabalho, porém, a corrente que tem predominado é contrária à penhora de salário, segundo o advogado trabalhista Jorge Gonzaga Matsumoto, do escritório Bichara Advogados. “A tendência, com exceção da 2ª Turma do TST [Tribunal Superior do Trabalho] e de alguns tribunais regionais, é dizer que são valores impenhoráveis”, diz.
As decisões em geral aplicam a Orientação Jurisprudencial nº 153 do TST. O texto afirma que “ofende direito líquido e certo decisão que determina o bloqueio de numerário existente em conta salário, para satisfação de crédito trabalhista, ainda que seja limitado a determinado percentual dos valores recebidos ou a valor revertido para fundo de aplicação ou poupança”.