13/04/2020 às 00h00 com informações de Valor Econômico

Empresas conseguem na Justiça renegociar contratos

Empresas têm conseguido, na Justiça, renegociar contratos. Magistrados autorizaram a redução de alugueis e a suspensão de dívidas, até mesmo de aquisição de participação acionária. Entendem ser necessária a intervenção do Judiciário neste momento de crise. Um deles, o desembargador Cesar Ciampolini, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), chegou a comparar a situação gerada pelo coronavírus a estado de guerra.

A principal demanda trata de contratos de locação. Há uma série de ações ajuizadas por locatários para suspender ou reduzir os pagamentos durante o período de pandemia. Mas, sobre esse tema especificamente, não há unanimidade. Existem ao menos cinco decisões proferidas. Em três delas os juízes concordaram e em duas negaram os pedidos — uma delas de segunda instância.

A decisão foi proferida pela 36ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP. Os desembargadores negaram o pedido de uma concessionária de veículos para suspender por quatro meses o aluguel do imóvel onde funciona o negócio. A empresa alegou, no processo, que está com as atividades paralisadas em razão da quarentena determinada pelo Poder Público.

“Nos casos de força maior ou caso fortuito, o direito positivo autoriza a parte a resolver o contrato ou postular a readequação do valor real da prestação, mas não a simplesmente suspender o cumprimento da obrigação”, diz na decisão o relator, desembargador Arantes Theodoro. “Mais ainda, a lei nem autoriza o juiz a instituir moratória a pedido do devedor.”

O desembargador acrescenta que a moratória dos aluguéis chegou a constar no Projeto de Lei nº 1.179/2020, que dispõe sobre o regime jurídico emergencial e transitório das relações de direito privado no período da pandemia, mas acabou sendo retirada “justamente por não ser conveniente, nem compatível com o sistema jurídico” (processo nº 2063701-03.2020.8.26.0000).

As demais decisões que se têm notícias sobre os contratos de locação são de primeira instância. Em uma delas, a Justiça de Santa Catarina negou pedido feito por um locatário para revisar os valores do aluguel de uma sala comercial (processo nº 5001853-72.2020.8.24.0079). Já em outra, da 22ª Vara Cível de São Paulo, um restaurante conseguiu permissão para pagar 30% do valor do aluguel (processo nº 1026645-41.2020.8.26.0100).

Também em São Paulo, a 28ª Vara Cível atendeu pedido de uma concessionária de veículos para suspender os alugueis de 16 lojas, que somam valor superior a R$ 1 milhão por mês (processo nº 1027402-35.2020.8.26.0100). A outra decisão que se tem notícia, beneficiando um locatário, foi proferida pela 8ª Vara Cível de Campinas. O pedido foi feito por restaurante que fica em um shopping center (processo nº 1010893-84.2020.8.26.0114).

A advogada Taísa Oliveira, do escritório KLA, diz que o artigo 480 do Código Civil estabelece que quando a obrigação couber a apenas uma das partes, como ocorre nos contratos de aluguel, a parte poderá pleitear que a prestação seja reduzida. Apesar das decisões divergentes na Justiça, ela acredita que há indicativo para a construção de acordo. “Para que consigam readequar o aluguel a um valor praticável e que não seja excessivo à nenhuma delas.”

O desembargador Cesar Ciampolini decidiu sobre um contrato de aquisição de cotas de uma empresa. Levou em conta a teoria da imprevisão — que consta no Código Civil e estabelece a possibilidade de rescisão ou de revisão contratual em hipóteses de situações excepcionais. “Em tempo de guerra, que é, mutatis mutandis [expressão em latim que significa mudando o que tem que ser mudado], aquele que vivemos em face da pandemia do coronavírus, assim deve realmente ser”, diz na decisão.

Ele chama a atenção para o impacto financeiro gerado pelas medidas que vêm sendo tomadas para evitar a proliferação do novo vírus e ressalta que, nessa situação, cabe intervir para equilibrar as posições de credor e devedor. “Essas medidas, é certo, já estão impactando financeiramente grande parte da população e afetando negócios jurídicos, devendo seus efeitos sobre as relações jurídicas ser analisado pelo Poder Judiciário.”

Esse caso envolve a compra de cotas de uma empresa do setor de alimentos. As duas sócias se desentenderam e decidiram romper. Em fevereiro elas assinaram um contrato de cessão de cotas sociais. Uma delas, que ficou com o negócio, se comprometeu a pagar a quantia de R$ 125 mil, em 25 parcelas mensais. Com o coronavírus, precisou fechar a loja e ficou sem faturamento (processo nº 2061905-74.2020.8.26.0000). Por isso, decidiu recorrer à Justiça.

Advogados não veem, no entanto, o Judiciário como o melhor caminho. Paulo Bardella, do escritório Viseu, diz ter 40 casos de revisão de contrato na banca e em todos eles, afirma, ou o acordo já foi firmado ou está em vias de ser fechado. A maioria refere-se à locação, mas há também compra e venda de empresa e financiamentos. “Não tenho nenhum cliente que precisou da ação judicial”, afirma.

Ele destaca que não basta, para a renegociação dos contratos, a parte alegar que há situação de crise. A empresa precisa provar que no seu caso, especificamente, houve prejuízo e que, por isso, ficou impedida de cumprir com a sua obrigação. “Se não pode soar oportunismo”, diz.

O advogado Carlos David Albuquerque Braga, do escritório Cescon Barrieu, diz que os contratos maiores, mais complexo, não devem ser levados à Justiça. Há cerca de dez casos na banca e envolvem principalmente o setores de energia, petroquímico, de serviços e fusões e aquisições. “As empresas vão ter que sentar e fazer acordo. Não dá para todo mundo ir ao Judiciário ou para arbitragem e ficar anos discutindo se era caso de força maior ou não”.