Recuperação judicial deve crescer no 2º semestre
A crise da covid-19 trará um novo recorde de pedidos de recuperação judicial no Brasil, avaliam especialistas. Para a maioria deles, a enxurrada de requerimentos não virá agora, mas a partir do segundo semestre. Por ora, o momento é de negociação, com companhias e credores tentando entender quais serão os impactos da crise.
“Uma empresa só pede recuperação judicial quando está sob ameaça de execução de dívida por algum credor. O cenário atual não é esse, mas de compasso de espera para entender qual é o tempo e quais são os efeitos da pandemia”, afirma Ricardo Knoepfelmacher, sócio da RK Partners. “Hoje os credores, especialmente os bancos, estão alongando os prazos de pagamento por seis meses, até um ano, e não pressionando empresas com uma execução”, diz.
Eduardo Seixas, sócio da consultoria Alvarez & Marsal (A&M), afirma que a análise dos números desde 2007, quando foi promulgada a Lei de Falências, mostra que o número de RJs começa a acontecer mais significativamente cerca de quatro meses depois do início da crise e o pico é atingido em 14 meses. A A&M espera que nesse prazo, o país poderá contar com entre 2.100 e 2.500 novas empresas em recuperação. O atual pico histórico foi alcançado em 12 meses acumulados em outubro de 2016, por conta dos impactos da Lava-Jato, com 1.872 solicitações.
Segundo a A&M, o aumento das solicitações está diretamente ligado à queda do PIB. Nos últimos três anos, sem um crescimento econômico expressivo, o Brasil manteve patamar muito elevado de RJs, de cerca de 1.400 ao ano.
“Aumentaram exponencialmente as consultas ligadas à crise”, conta Flavio Galdino, cujo escritório atuou nas recuperações judiciais da varejista Casa & Vídeo e da companhia do ramo de energia Eneva. À frente de um time de 70 advogados, Galdino conta que seu escritório prepara “alguns pedidos” de RJ.
Mas a sua expectativa, com base nas consultas que tem recebido, é de que a maior parte dos pedidos de recuperação judicial seja protocolada uma vez passada a pandemia. “No dia em que protocola o pedido, a empresa tira uma foto da dívida naquele momento”, explica Galdino. “Várias dívidas só vão se materializar depois de encerrada a pandemia. Quem entrar em recuperação judicial agora não vai conseguir incluir todo esse prejuízo.”
Em nota divulgada em 30 de abril, a seção do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil sugere o uso de meios extrajudiciais para prevenir o colapso do Judiciário. Para a entidade, a tendência é de que o número de litígios aumente exponencialmente como resultado da pandemia. A posição da OAB-RJ é compartilhada pelo desembargador aposentado Luiz Roberto Ayoub. “Vejo uma enxurrada de processos judiciais [vindo]”, diz ele, sócio do escritório Paulo Cezar Pinheiro Carneiro Advogados Associados. Ayoub atuou como juiz na recuperação judicial da Varig. “A demanda está sendo gerada”, acrescenta o ex-magistrado, que defende soluções negociadas – como a mediação – para sanar as disputas geradas pela crise.
Eduardo Munhoz, sócio do E.Munhoz Advogados, dá como certo o aumento de RJs, com maior impacto para as pequenas e médias. “Estamos no começo da crise e abril é o primeiro mês cheio de impacto nos resultados. Ainda é tempo de renegociar e suspender pagamentos. Demora uns três ou quatro meses para termos mais visibilidade sobre o tamanho e a necessidade de reestruturações ”, diz. Ele frisa que o sistema brasileiro de recuperações será testado de novo: quanto mais eficiente for para lidar com tantas operações, mais rápida será a saída da crise.
Renato Carvalho Franco, sócio da Íntegra Associados Reestruturação Empresarial, não descarta uma enxurrada de pedidos neste semestre pois, para entrar em RJ, ele diz, é importante ter caixa. “A situação atual, de paralisação, para muitas tem sido basicamente de queimar caixa. As empresas em crise nesse momento não conseguem avaliar em quanto tempo e em quais níveis voltarão a faturar. Se esperarem muito para protocolar o pedido de RJ, vão entrar no processo sem caixa, diminuindo muito as chances de uma recuperação bem sucedida, pois o crédito seca”, afirma. “Se perceber que vai ter de pedir de qualquer jeito, vai pedir já. A retomada é imprevisível e há empresas hoje com queda de 80% no faturamento.”
O advogado Thomas Felsberg, do Felsberg Advogados, afirma que, juridicamente, contratos podem até ser revistos ou rescindidos, pela alegação de evento de força maior ou ainda pela da doutrina da imprevisão, que verifica se as circunstâncias que basearam os contratos mudaram muito rapidamente. “O problema é que se houver muitas dessas ações ao mesmo tempo haverá um apagão no Judiciário. O melhor caminho é sempre negociar”, diz. Ele avalia que a covid-19 trouxe um cenário novo de “pré-insolvência”: não só piorou a situação das empresas que já estavam em dificuldades, como levou aquelas que mantinham as contas em dia à paralisação e à falta de liquidez. “O credor tem mostrado boa vontade, principalmente com as companhias que vinham cumprindo com as suas obrigações e ficaram em situação difícil”, afirma. Para algumas empresas, esse fôlego de dois ou três meses será suficiente, mas para outras, não, diz.
Paulo Campana, sócio do Veirano Advogados, também acredita que os pedidos devem demorar alguns meses, para que as empresas tenham mais visibilidade do que precisará ser reestruturado. “Elas estão conseguindo mais prazo, mas seguem sem receitas e com custos. Mesmo quando a operação voltar, esse período que terá ficado para trás vai ter de ser reestruturado pois nenhuma delas vai conseguir pagar imediatamente quando voltar”, afirma.