Cresce o número de decisões favoráveis a empresas em recuperação judicial
Com o agravamento da crise econômica gerada pela epidemia de Covid-19, as empresas em recuperação judicial, que já passavam por dificuldades, viram a situação piorar ainda mais devido à queda abrupta de receitas.
Para sobreviver, a solução encontrada por muitas delas foi recorrer ao Judiciário. Os pedidos são variados: paralisação total ou parcial dos pagamentos do plano de recuperação; proibição do corte de serviços de energia e água; prorrogação do stay period (período de suspensão das ações e execuções contra a empresa recuperanda).
Antecipando as dificuldades financeiras, o Conselho Nacional de Justiça editou no final de março a Recomendação 63, que orienta juízes a adotar medidas para mitigar o impacto da Covid-19 nas empresas em recuperação judicial.
Segundo a recomendação, os magistrados devem dar prioridade à análise de pedidos de levantamento de valores em favor dos credores ou de empresas recuperandas.
A medida orienta também que magistrados autorizem a reformulação de planos de recuperação quando comprovada a diminuição da capacidade de cumprir obrigações por parte da companhia afetada.
Tendo isso em vista, e pensando na "quebradeira" que o coronavírus pode gerar, juízes com competência para julgar ações de recuperação e falência passaram a decidir, quando possível, em favor das companhias. A ConJur separou algumas dessas decisões.
Paralisação total
Em 25 de março, o juiz Sergio Ludovico Martins, da 2ª Vara de Arujá (SP), determinou a paralisação total dos pagamentos do plano de recuperação de uma empresa de embalagens pelo prazo de 90 dias. O juiz também proibiu, pelo mesmo período, que a concessionária de energia elétrica corte o fornecimento do serviço.
Segundo os autos, por conta da epidemia, a companhia acabou tendo que reduzir 50% de sua movimentação, que já cambaleava antes da crise gerada pelo coronavírus. A dívida total da recuperanda é de R$ 200 milhões.
Ao justificar a decisão, o magistrado afirmou que é fato notório a quarentena decretada em decorrência da epidemia, que acabou por interromper bruscamente a atividade econômica nacional.
“O instituto da recuperação judicial se move na aclamação do princípio da preservação da atividade econômica, ex vi artigo 47 da legislação de regência. Com efeito, a atual pandemia trouxe inegável desequilíbrio econômico financeiro, alterando a quadra fática da concedida recuperação judicial, nos termos do artigo 53”, afirma a decisão.
Segundo Roberto Carlos Keppler, sócio da Keppler Advogados Associados e responsável pela defesa da empresa, em decisões como essa o magistrado acaba optando por buscar a sobrevivência das companhias.
“Estamos evitando a falência, suspendendo os pagamentos e mantendo a empresa viva. O setor de embalagens é um termômetro da economia e a situação da empresa reflete o que pode acontecer com outras empresas”, diz.
Não essencial
O juiz Cláudio de Paula Pessoa, da 2ª Vara de Recuperação de Empresas e Falências de Fortaleza (CE), argumentou de modo semelhante ao julgar, em 14 de maio, caso envolvendo uma empresa que atua no mercado de aço.
Ele ordenou a paralisação total dos pagamentos do plano de recuperação judicial da apelante por 90 dias e impediu o corte dos serviços de energia, água, gás e telefone pelo mesmo período.
O magistrado amparou sua decisão na Recomendação 63 do CNJ. “Neste contexto, tais ações são voltadas à diminuição dos impactos decorrentes do combate à contaminação pelo coronavírus, a fim de que sejam preservados os postos de trabalho, bem como o desenvolvimento das atividades empresariais”, argumentou.
Por atuar em um setor considerado não essencial, o juiz entendeu que a empresa acabou sendo muito afetada pelo fechamento do comércio no Ceará.
Ele também disse que a proposta apresentada pela recuperanda não acarreta em diminuição dos valores devidos, mas apenas na postergação do pagamento.
“Percebe-se que não haverá prejuízo aos credores, pois receberão os valores de acordo com o plano de recuperação, possibilitando a não decretação da falência das empresas e, por conseguinte, a manutenção dos postos de trabalho, observando, desse modo, o princípio da função social da empresa”, conclui.
“Medidas mais incisivas”
Em decisão proferida no último dia 20, o juiz Bruno Paes Straforini, da 1ª Vara Judicial de Santana de Parnaíba (SP), autorizou que uma empresa do setor elétrico pague apenas pela energia que consumir. A companhia havia comprado energia no mercado aberto. Com a queda da produção, o serviço acabou sendo cortado.
“Os fatos retro apontados pela administradora judicial de confiança do juízo são efetivamente graves, tendo sido confirmado, in loco, a gravidade da situação financeira da empresa”, afirma a decisão.
“Nesse contexto”, prossegue o magistrado, “apesar dos indeferimentos anteriores, impõe-se a tomada de medidas mais incisivas, a fim de garantir a continuidade da atividade empresarial da empresa em recuperação judicial”.
Prorrogação do stay period
O juiz Tiago Henriques Papaterra Limongi, da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, concedeu a uma empresa do ramo da construção civil a prorrogação do stay period até que fosse feita a assembleia geral de credores. A decisão foi proferida em 30 de março.
O magistrado entendeu que a prorrogação dá à recuperanda a possibilidade de que seu patrimônio não seja objeto de constrição até que haja segurança para proceder com a votação do plano de recuperação.
Segundo ele, é recomendável, “à luz das orientações das autoridades públicas competentes no sentido da ampliação de afastamento social, que a assembleia geral de credores não se realize até que haja segurança na realização de eventos que importem reunião de grande número de pessoas”.
Roberto Carlos Keppler também atuou defendendo a companhia neste caso. Segundo ele, a decisão representa uma vitória importante, já que “a empresa ganhou um fôlego para se organizar até a ocorrência da assembleia”.
Veja outros casos:
Setor de bebida
Uma empresa de bebidas conseguiu a suspensão dos pagamentos de credores trabalhistas e demais despesas oriundas do plano de recuperação judicial pelo período de 90 dias.
No caso, o juiz Josias Martins de Almeida Júnior, da 1ª Vara de São Manuel (SP), embasou sua decisão na recomendação 63 do Conselho Nacional de Justiça. Ele também autorizou o levantamento de R$ 800 mil que estavam bloqueados em outra demanda judicial.
Setor têxtil
O juiz Paulo Henrique Stahlberg Natal, da 2ª Vara Cível de Santa Bárbara D’Oeste, determinou a suspensão da exigibilidade do cumprimento de todas as obrigações do plano de recuperação judicial de uma empresa do ramo têxtil.
Por conta da crise, a empresa demonstrou ter sido impactado pelas medidas de restrição e isolamento social. Ela argumentou que sua produção se encontra paralisada, com funcionários em fruição de férias coletivas.
Setor portuário
O juiz Alexandre de Carvalho Mesquita, da 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, proibiu que concessionárias de energia elétrica e água cortem o fornecimento dos serviços de uma empresa do setor portuário pelo prazo de 90 dias. A empresa acumula dívidas de R$ 1,5 bilhão.
Novas demandas
Conforme já noticiou a ConJur, especialistas estimam que será grande o volume de novos pedidos de recuperação judicial.
Segundo estimativa da consultoria Alvares & Marsal divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo em 22/4, por exemplo, uma queda de 3% do PIB pode gerar 2,2 mil pedidos de recuperação judicial. O boletim Focus divulgado pelo Banco Central nesta segunda-feira (20/4) previu retração de 2,96% do PIB para este ano.
De acordo com a mesma consultoria, caso a queda do PIB fique em 5% — o Fundo Monetário Internacional projetou recuo de 5,3% —, a estimativa é que 2,5 mil empresas batam às portas do Judiciário invocando a Lei 11.101/05, que trata da recuperação judicial, extrajudicial e da falência.
O número de casos, se verificado, será 40% maior ao registrado em 2016, quando 1,8 mil sociedades empresárias recorreram à Justiça — cifra até então recorde.