16/06/2020 às 00h00 com informações de Jota

Carf usa voto de qualidade pró-fisco mesmo após alteração na lei

O critério de desempate pelo voto de qualidade pró-fisco continua ativo no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) mesmo após a alteração legislativa que determinou que, em caso de empate, deve prevalecer o entendimento pró-contribuinte.

Um acórdão da 2ª Turma Extraordinária da 1ª Seção de Julgamento demonstra que o colegiado decidiu pelo indeferimento do pedido de adesão ao Simples Nacional da empresa Jaboti Indústria e Com. de Bonés Ltda utilizando o mecanismo de desempate pró-fisco. O julgamento ocorreu no último dia 7 de maio, ou seja, depois da publicação da Lei 13.988/2020, que alterou a sistemática do desempate no tribunal.

A alteração ocorreu em abril, quando o artigo 28 da Lei 13.988/2020 inseriu o artigo 19-E na Lei 10.522/2020, prevendo que em caso de empate no julgamento de processos administrativos de determinação e exigência do crédito tributário não se aplica o voto de qualidade, devendo a questão ser resolvida de forma favorável ao contribuinte.

Apenas créditos tributários

O acórdão é explícito quanto ao uso do mecanismo pró-fisco, mas não explica o motivo da utilização do voto de qualidade, trazendo apenas que “acordam os membros do colegiado, por voto de qualidade, em negar provimento ao recursos voluntário”.

O voto vencedor é do conselheiro indicado pela Receita Aílton Neves da Silva. O relator, conselheiro Thiago Dayan da Luz Barros, representante dos contribuintes, saiu derrotado. Na ação, a empresa questionava o indeferimento do pedido de inclusão no Simples Nacional em razão de participar do capital de outra empresa.

Há outra decisão na mesma linha contra a empresa Decorasia Decorações Ltda em um processo envolvendo Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). No entanto, o acórdão não foi publicado, constando para consulta apenas a ata com a decisão.

As decisões evidenciam os entendimentos diferentes sobre a alteração legislativa. Órgãos como a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) defendem que o novo critério de desempate é aplicável apenas no julgamento de processos administrativos de determinação e exigência de crédito tributário. Neste caso, o crédito teria sentido estrito e não abrangeria outras discussões tributárias.

“Não há autorização legal para a aplicação do novo critério de desempate em processos de exclusão do Simples, que não envolvem a determinação e exigência de crédito tributário. Nesses casos, o empate deve ser resolvido pelo voto de qualidade previsto no § 9º do art. 25 do Decreto 70.235/72, que não foi revogado pela Lei 13.988/20”, defendeu a PGFN por meio de nota enviada via assessoria de imprensa.

Perigo de repercussão judicial

Advogados tributaristas, no entanto, acreditam que a norma não trouxe a interpretação restritiva. “A lei trata do contencioso como um todo, e o contencioso administrativo fiscal necessariamente trata da exigência de tributo direta ou indiretamente. Em momento algum há diferenciação entre homologação de crédito e inclusão ou não do Simples, por exemplo”, defende João Marcos Colussi, sócio do escritório Mattos Filho.

Para ele, o acórdão publicado não condiz com o texto da lei. “É flagrante que o manejo do mandado de segurança seria o remédio legal para trazer o procedimento correto para o julgamento nos termos da lei”, complementa.

Um conselheiro do Carf afirmou ao JOTA que o caso tem grandes chances de ser levado ao Judiciário para que seja feita a interpretação da lei que extingue o voto de qualidade. Segundo o julgador, mesmo que o tema central do processo seja o Simples, também existe a discussão do crédito tributário dentro da mesma temática.

Segundo a tributarista Luciana Aguiar, sócia do Bocater Advogados, ainda é cedo para afirmações sobre como a lei será interpretada no tribunal administrativo. Entretanto, ela defende que a interpretação totalmente literal da norma não é a ideal.

“Teríamos que fazer uma interpretação mais sistemática. A decisão define a forma de incidência do tributo num determinado período, logo, pode-se argumentar que, ao fim, a decisão determina a exigência do crédito tributário”, diz a tributarista.