08/07/2014 às 00h00 com informações de Consultor Jurídico

Empresa que adere a parcelamento pode rediscutir juros

Segundo o relator da apelação, apenas o valor da dívida não pode ser questionado no caso

Empresa que adere a programa de parcelamento de dívida tem o direito de discutir as consequências jurídicas do ato, como pedir a redução dos juros aplicados. Foi o que decidiu a 10ª Câmara de Direito Público Tribunal de Justiça de São Paulo ao rejeitar apelação interposta pela Fazenda do Estado, que deverá recalcular os juros.

No caso, uma empresa assinou, em 2013, um Plano Especial de Parcelamento (PEP) do ICMS, mas considerou os juros das parcelas abusivos.  Ela argumentava que a taxa de juros usada no parcelamento estava acima da taxa Selic, a taxa básica de juros no Brasil fixada pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central. 

A companhia foi representada por Augusto Fauvel. Ele afirma que, em 2013, na assinatura do PEP os juros cobrados pela Fazenda Estadual eram de 0,13% ao dia ou 46,8% ao ano. Já a Selic estava em 7,25% ao ano. “Com o ganho da ação os juros foram recalculados e o valor das parcelas caiu cerca de 30%”, afirma.

O advogado explica, porém, que questionar os juros do PEP não significa rescindir o parcelamento. “O contribuinte só pode deixar de pagar enquanto as parcelas estão sendo recalculados pela Fazenda”, destaca.

De acordo com Fauvel, já há jurisprudência que assegura aos contribuintes o direito de contestar. “Assinar um programa de parcelamento não impede a discussão jurídica. O próprio Superior Tribunal de Justiça apontou isso no RESP 1.355.947”, explica.

Segundo a Fazenda, a adesão de um contribuinte ao parcelamento implica “confissão irrevogável e irretratável do débito fiscal”, o que impediria a rediscussão dos créditos em juízo. A Fazenda também alegou que o estado é competente para legislar sobre direito tributário e financeiro, ao defender a taxa de juros aplicada.

Decisão

Relator da apelação, o desembargador  Antonio Carlos Villen disse que apenas o valor da dívida não pode ser questionado no caso. Sobre isso, citou uma decisão do Superior Tribunal de Justiça, na análise do Recurso Especial 1.133.027/SP, na qual apontou que o valor não impede a rediscussão do débito.

"O ato é irrevogável e irretratável apenas no que diz respeito à matéria de fato confessada, não com relação a suas consequências jurídicas, conforme decidido, em sede de recurso repetitivo (artigo 543-C, § 1º, do CPC). Dessa maneira, confessado o débito, é lícito à agravada questionar a taxa de juros moratórios adotada”, registrou.

Sobre a competência para fixar os juros, Villen apontou que a Fazenda Estadual deve se submeter às normas da União, conforme decisão do próprio TJ-SP na Arguição de Inconstitucionalidade 0170909-61.2012.8.26.0000

"O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que juros de mora são matéria de direito financeiro e que, por isso, a competência para legislar é concorrente (artigo 24, inciso I, CF). Dessa forma, os estados devem se submeter às normas gerais, cuja competência é da União. Naquele julgado ficou assentado que a União estabeleceu norma geral que dispõe sobre juros de mora (Lei Federal nº 9.250/95) e que, por isso, os Estados não estão autorizados a legislar sobre índices que extrapolem os juros nela previstos”, explicou.

Villen decidiu que a taxa estadual não poderia ser maior que a Selic. “Na atualidade o índice previsto na Lei Estadual 13.918/09 é superior ao previsto na Lei Federal 9.250/95, que prevê a taxa Selic. Todavia, pelas razões já expostas, esta não pode ser excedida”, decidiu.

Jurisprudência

O advogado Rogério Pires da Silva, sócio do escritório Boccuzzi Advogados, comenta que nos casos em que um débito é dimensionado acima do devido o contribuinte não é obrigado a suportar o parcelamento. “É um princípio seguido pelo STJ, nenhum tributo pode existir sem uma lei que o estabeleça. Se não é devido segundo a lei, não pode ser exigido”, defende.

Ele comenta que o Supremo Tribunal Federal e outras decisões do próprio Tribunal de Justiça de São Paulo já proibiram o uso da taxa fixada pelo Estado de São Paulo. “O STF e o TJ afastaram a taxa de São Paulo e mandaram usar a Selic. É de assustar que ainda exista esse descumprimento. A ADI 442, de 2010, já decidiu isso. Não há opção de cobrar taxa de juros caso a caso, é obrigado usar a taxa Selic”, afirma.

Silva comenta que mesmo com essas decisões a Resolução da Secretaria da Fazenda 98 ainda determina que a taxa calculada no estado tem que ser a média da taxa de juros do desconto de duplicata divulgada pelo Banco Central . “Isso cria uma taxa tão elevada como se fosse o custo de capital de giro. Por exemplo, em junho da taxa estadual era de 1,2% ao mês e na Selic foi de 0,82% ao mês”, comenta.