Gilmar Mendes propõe Selic para correção de ação trabalhista
Ao afirmar que o uso da TR (Taxa Referencial) é inadequado, o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), defendeu nesta quarta-feira (26) a aplicação da Selic para a correção de créditos trabalhistas.
Gilmar é o relator de ações que discutem no tribunal a validade da TR.
Ainda de acordo com o ministro, devem ser usados na Justiça do Trabalho os mesmos índices de correção monetária vigentes para as condenações cíveis em geral: o IPCA-E (Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo Especial), na fase pré-judicial, e, a partir da citação —quando o réu é autuado—, a taxa Selic.
O julgamento foi iniciado no dia 12 de agosto, com as manifestações das partes e de entidades interessadas. A análise foi retomada nesta terça. O julgamento será retomado nesta quinta-feira (27).
Entidades que representam bancos e empresas ramos de tecnologia e comunicação defenderam em ADCs (ações diretas de constitucionalidade) que o STF confirme a validade da TR na correção dos créditos trabalhistas.
O índice, que hoje está zerado, foi incluído na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) na reforma trabalhista do governo Michel Temer (MDB). A taxa, no entanto, tem sido rejeitada por magistrados em todo o país.
A Anamatra (associação de juízes do trabalho) e centrais sindicais defenderam a correção pelo IPCA-E, sob o argumento de que a legislação questionada viola direitos do trabalhador.
O IPCA-E está em 1,92%, no acumulado dos últimos 12 meses, até junho. Sobre os correções trabalhista incidem ainda 1% de juros de mora ao mês, o que chega a 12% ao ano.
A Selic —taxa básica de juros da economia—, no menor nível histórico, está em 2% ao ano.
No fim de junho, Gilmar determinou, em caráter provisório, a suspensão de todos os processos em curso na Justiça do Trabalho que envolvam discussão sobre qual índice aplicar. Depois ele explicou que a decisão não travava o andamento das ações.
O ministro iniciou a fala nesta quarta reconhecendo a "complexidade histórica" do caso e a "controvérsia jurídica". Segundo ele, o Congresso cria leis e reiteradamente o Judiciário nega a aplicação.
Ele indicou uma série de precedentes do STF em variados sentidos do uso da TR, seja pela inconstitucionalidade, seja pela constitucionalidade do seu uso.
"É uma sopa de letrinhas", disse Gilmar. "A toda hora é preciso analisar o que é mais adequedo. É necessário se repensar todo este universo [de índices] que causa insegurança jurídica."
Em nome da segurança jurídica, o ministro afirmou que o tribunal não deve apenas afastar a TR. É preciso que se indique qual índice aplicar. Nesse sentido, apontou a Selic.
Ao afastar a TR, Gilmar estabeleceu um marco jurídico. Para ele, pagamentos realizados usando a TR, o IPCA-E ou outros índices são reputados válidos e não devem ser rediscutidos.
Aos processos em curso ou em fase de conhecimento —fase inicial—, segundo Gilmar, devem ter a aplicação da taxa Selic, juros e correção monetária sob pena de alegação de futura inexigibilidade.
Na prática, quase todas as ações exigem correção. Ela incide sobre indenizações de horas extras, férias, depósitos no FGTS ou 13º salário. Por mês, os trabalhadores recebem em média R$ 1 bilhão em causas.
Dados do TST (Tribunal Superior do Trabalho) levantados pela Folha mostram que há hoje mais de 1 milhão de ações à espera de sentença na primeira instância.
De janeiro daquele ano a maio de 2020, foram pagos, por meio de execuções, R$ 29,1 bilhões —a média mensal de R$ 1 bilhão.
O caso sobre a correção trabalhista chegou ao STF em 2018. A Consif (confederação do ramo financeiro) pediu que a TR seja declarada constitucional porque o IPCA-E somado ao juro, segundo a entidade, leva ao "enriquecimento sem causa" do trabalhador.
Em junho, o TST, composto de 27 ministros, ia declarar a TR inconstitucional. Com maioria formada, faltavam ser colhidos 3 votos. O julgamento foi suspenso. O IPCA-E, até então, era o índice apontado
Os ministros da corte trabalhista argumentam que o STF já declarou inconstitucional a TR para corrigir precatórios —dívidas públicas reconhecidas em decisão judicial. A lógica, então, se estenderia a créditos trabalhistas.
No STF, o pleito da Consif ganhou o apoio da CNI (Confederação Nacional da Indústria) e da CNT (Confederação Nacional do Transporte).
A Consif, no pedido da cautelar, disse ser "razoável e proporcional" o uso da TR. A entidade afirmou ainda que, no contexto de pandemia da Covid-19, o IPCA-E mais juro gerará "endividamento, também sem causa, ao devedor trabalhista".
Após o voto do relator nesta quarta, o presidente do STF, ministro José Dias Toffoli, interrompeu o julgamento, reconhecendo a complexidade do tema e marcando a retomada do debate para a sessão desta quinta.