04/09/2020 às 00h00 com informações de O Globo

Em decisão inédita, TJ-RJ aceita recuperação judicial de associação sem fins lucrativos

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) aceitou o pedido de recuperação judicial da Universidade Candido Mendes, rejeitando recurso do Ministério Público, que questionou a possibilidade de uma associação civil sem fins lucrativos fazer uso do instrumento, restrito na Lei de Falências a empresas. A decisão de segunda instância, tomada nesta quarta-feira por quatro votos a um, não tem repercussão, mas abre um importante precedente para outros casos.

— É um precedente inédito — afirma a advogada Juliana Bumachar, especializada em recuperação judicial. — Com essa decisão, outras associações podem refletir sobre a possibilidade de pedir a recuperação judicial. Se a Candido Mendes pode, por que um clube de futebol não pode?

Para sanar dívidas de R$ 400 milhões, a universidade entrou com pedido de recuperação judicial no dia 11 de maio, que foi deferido no dia 17 do mesmo mês. O Ministério Público recorreu, argumentando que uma associação sem fins lucrativos, mesmo que exerça atividade econômica, não deve receber o benefício, já que conta com isenções fiscais. O julgamento de ontem manteve o entendimento da primeira instância, mas ainda cabe recurso.

Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, sócio do PCPC Advogados, que representa a universidade, destaca que o Tribunal reconheceu a atividade econômica exercida pela instituição, "organizada para a produção e circulação de bens e serviços":

— Trata-se de decisão inédita, que conferiu a uma sociedade de ensino, organizada sob a forma de associação civil sem fins lucrativos, a possibilidade de ser enquadrada na Lei de Recuperação Judicial.

Para Thiago Spercel, sócio do escritório Machado Meyer Advogados, o tema é polêmico, com argumentos consistentes dos dois lados. Mesmo sem fins lucrativos, algumas associações civis, como escolas, universidades e hospitais, são, de fato, agentes econômicos. Se organizam como empresas, oferecem bens e serviços aos consumidores, e, portanto, devem ter acesso ao instrumento.

— A alegação do MP questionou a dupla identidade. Na hora que quer isenção fiscal, não é empresa. Mas quando precisa da recuperação judicial, quer ser empresa — explica Spercel. —Isso gera insegurança jurídica, que deveria ser sanada na nova lei de falências.

Debate no Senado

A legislação atual restringe a “recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência” a “empresário” ou “sociedade empresária”. Um projeto de lei que altera o texto está tramitando no Congresso. Ele passou pela Câmara dos Deputados na semana passada, mas não trata dessa questão.

— Essa decisão tem impacto direto na discussão que o Senado vai fazer sobre a nova Lei de Falências — afirma Juliana. — Não tenho dúvida do quanto seria importante permitir que agentes econômicos peçam recuperação judicial, mas para isso a lei tem que mudar.

O caso deve ser levado para a última instância. Enquanto aguarda a decisão definitiva, a universidade segue em frente com seu projeto de reestruturação. O plano de recuperação judicial já está pronto, e será depositado junto ao processo, informando como pretende pagar seus credores.

— Estamos muito confiantes com o deferimento. O Judiciário reconheceu a Candido Mendes como uma instituição educacional de relevância e a tese de que somos, além de uma associação civil sem fins lucrativos, um agente econômico — afirma Cristiano Tebaldi, Pró-Reitor Comunitário da Universidade Candido Mendes.