15/10/2020 às 00h00 com informações de Jota

Produtor inscrito há menos de 2 anos pode pedir recuperação

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) permitiu, no último dia 06, que o produtor rural inscrito há menos de dois anos na Junta Comercial faça um pedido de recuperação judicial. Por maioria de quatro votos a um, o colegiado se alinhou ao posicionamento da 4ª Turma do STJ, que em novembro do ano passado autorizou a recuperação judicial do produtor rural que comprovar o exercício da atividade econômica por pelo menos dois anos, ainda que o registro tenha sido obtido há menos tempo.

Como as duas Turmas responsáveis por julgar matérias de Direito Privado no STJ tomaram decisões semelhantes no REsp 1.811.953 e no REsp 1.800.032, não há necessidade de pacificar o entendimento do tribunal superior na 2ª Seção. Com a vitória dos produtores rurais na 3ª Turma por três votos a dois e na 4ª Turma por quatro votos a um, os credores não podem recorrer à 2ª Seção por meio de embargos de divergência.

Diante da perspectiva desanimadora no STJ, os credores apoiam uma emenda do deputado Alceu Moreira (MDB-RS), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que foi incluída na versão do projeto de lei 6.229/2005 aprovada pela Câmara em agosto. O projeto que modifica diversos pontos na Lei de Recuperação Judicial e Falências aguarda apreciação pelo Senado.

A emenda de Moreira acolhe o entendimento do STJ de que o produtor rural não precisa estar registrado há dois anos na Junta Comercial para pedir a recuperação judicial, mas em contrapartida acrescenta exigências mais rígidas de garantia para a concessão do crédito rural.

A principal mudança é a determinação de que só poderão ser objeto de recuperação judicial créditos que decorram exclusivamente da atividade rural, o que exclui empréstimos tomados para comprar novas terras ou dívidas da pessoa física não relacionadas à produção.

3ª Turma permite recuperação judicial

No cerne da controvérsia no STJ está o artigo 48 da Lei de Recuperação Judicial e Falências (lei 11.101/2005). O dispositivo autoriza que devedores solicitem a recuperação judicial desde que, no momento do pedido, tenham exercido regularmente as atividades há mais de dois anos.

Relator do caso na 3ª Turma, o ministro Marco Aurélio Bellizze argumentou que a inscrição na Junta Comercial é facultativa ao produtor rural, que pode exercer a atividade econômica de forma regular sem o registro. “A finalidade do registro para o empresário rural difere claramente daquela emanada da instituição para o empresário comum”, afirmou.

“O empresário rural que pretenda se valer dos benefícios do processo recuperacional, instituto próprio do regime empresarial, há de proceder à inscrição não porque o registro o transforma em empresário, mas porque ao fazer assim passou voluntariamente se submeter ao aludido regime jurídico”, concluiu. A autorização para que produtores rurais façam o registro está no artigo 971 do Código Civil.

Nesse sentido, o ministro Moura Ribeiro salientou que o próprio Código Civil ressalta, no artigo 970, a necessidade de conceder tratamento diferenciado e simplificado ao empresário rural para a manutenção de suas atividades.

“Se o próprio Código Civil afirma a necessidade, parece contraditório interpretar o artigo 971 do mesmo código de modo a criar uma exigência burocrática que vai tornar mais complexo o desempenho da atividade do produtor rural”, afirmou.

Ainda, o ministro lembrou que o principal objetivo da recuperação judicial é fomentar o sistema de produção e circulação de bens e serviços. “A exigência de requisito puramente burocrático desponta como formalismo não alinhado com os objetivos do microssistema previsto na Lei de Recuperação Judicial”, sintetizou.

Ao acompanhar o relator, a ministra Nancy Andrighi lembrou que há sete anos defende, no STJ, que não é necessário registro há mais de dois anos para que produtores rurais requeiram a recuperação judicial. “É uma sensação estranha, porque depois de sete anos eu vejo vingar a minha tese”, comentou.

“O que nos conduz é o artigo 970 do Código Civil, que manda ter um outro olhar [para o produtor rural]. Esse outro olhar é uma certa facilitação e simplificação”, concluiu.

Por fim, o presidente da Turma, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, asseverou que é necessário atentar para a exata redação do artigo 48 da Lei de Recuperação Judicial. “Não fala em atividade empresarial, fala em atividade regularmente exercida. O artigo 971 do Código Civil considera regular essa atividade independentemente do registro na Junta Comercial”, destacou.

Dificuldades para fomento de crédito rural

Ficou vencido na 3ª Turma o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que negava provimento ao recurso. O ministro que inaugurou a divergência argumentou que o produtor rural pode escolher se exercerá as atividades como pessoa física ou jurídica, de maneira que será regulado por normas tributárias, previdenciárias e trabalhistas específicas. Na condição de pessoa física, sem registro, Cueva lembrou que o produtor rural tem acesso a linhas de crédito próprias.

“A pretensão de contrair a dívida como pessoa física e pagar como pessoa jurídica em recuperação judicial põe em risco toda a estrutura de relações travadas entre os elos interdependentes da cadeia produtiva do agronegócio, pois retira a segurança que subsidia essas relações”, criticou.

“Prejudica também todos os demais produtores que optaram pelo regime empresarial, especialmente aqueles que não têm acesso ao crédito subsidiado e passarão a ser avaliados como pessoa jurídica para fins de concessão de empréstimo”, complementou. O ministro lembrou que, no caso dos recorrentes, o registro foi feito sete dias antes do pedido de recuperação judicial.

Para Cueva, a decisão terá como consequência a insegurança jurídica e a desestruturação do financiamento da atividade agrícola, “com elevação dos encargos para todos os envolvidos”.

Nesse sentido o advogado José Afonso Leirião Filho, do VBSO Advogados, avalia que os credores devem insistir em processos judiciais para questionar outros aspectos relevantes sobre o pedido de recuperação judicial do produtor rural.

“Não acho que os credores vão derrubar a toalha. Deve continuar uma briga constante no caso a caso, para discutir se está de fato comprovado o exercício da atividade rural”, afirmou, salientando que a relação conturbada prejudica o fomento ao crédito agrícola.

Leirião Filho lembrou que Tribunais de Justiça como do Paraná (TJPR) e do Mato Grosso (TJMT) têm tomado decisões contrárias à orientação que prevaleceu no STJ. “Nesse cenário de insegurança, os credores apostam no Legislativo para nivelar mais o jogo, trazer segurança para os financiadores e evitar que se crie escassez de crédito”, ponderou.