Empresas evitam casos importantes no Carf e anseiam nova fase do tribunal
Apesar do ganho de produtividade com os julgamentos virtuais no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), grandes empresas não estão confortáveis em permitir que seus grandes casos tributários sejam julgados na plataforma virtual durante a pandemia da Covid-19.
Tributaristas entrevistados pelo JOTA afirmam que ainda há receio de que a falta de presença de um advogado fisicamente no plenário prejudique o julgamento dos casos mais importantes, que normalmente demandam explicações de questões fáticas por parte dos advogados durante as votações.
A análise é a de que os grandes casos só deverão ser novamente discutidos com a volta presencial do tribunal, ainda sem data definida. Enquanto predomina o julgamento virtual a ordem das empresas é para retirar de pauta os principais processos.
As equipes jurídicas já estão se preparando para uma eventual volta presencial do tribunal e a consequente retomada das discussões de autuações bilionárias. A novidade é que o Carf não tem mais o voto de qualidade, que é proferido pelo presidente de turma, sempre um representante da Fazenda, em caso de empate na votação.
A metodologia de desempate foi extinta após a publicação da Lei do Contribuinte Legal (13.988/2020), em abril, já durante a pandemia. O voto de qualidade foi um dos motivos para derrotas de contribuintes nos principais assuntos do tribunal: amortização de ágio, stock options, participação nos lucros e resultados (PLR), PIS e Cofins, entre outros. Uma derrota nesses casos pode representar um passivo bilionário para as empresas.
“Estamos mantendo as nossas avaliações de êxito nos processos, mas sempre destacando ao contribuinte que isso pode mudar favoravelmente”, afirma Alessandro Mendes, sócio do Rolim, Viotti & Leite Campos Advogados. Ele acrescenta que se antes havia um período de “desânimo” dos contribuintes com o Carf, principalmente por causa do voto de qualidade, o pós-pandemia coloca o tribunal administrativo em destaque na área Tributária.
De acordo com Mendes, com a retirada do voto de qualidade do Carf, há a percepção que o próprio tribunal tem evitado colocar os processos mais relevantes para julgamento por meio virtual durante a pandemia. “Apesar do ganho de eficiência, os julgamentos virtuais preocupam os contribuintes e a advocacia. Para os casos mais estratégicos, não é o modelo ideal”, explicou o tributarista.
Para ele, o congelamento dos principais casos é ruim para os escritórios de advocacia, já que os processos de maior valor ficam sem conclusão. “O contribuinte pondera o que é melhor: a agilidade do julgamento virtual ou aguardar o retorno presencial e, consequentemente, um possível aumento do cenário favorável por causa da possibilidade de interação no presencial”, afirmou.
A maior interação no julgamento presencial é apontada como um fator importante por muitos advogados que fazem sustentações orais no Carf. Isso porque, segundo os tributaristas, as sustentações são a melhor maneira de explicar ao colegiado os detalhes das grandes operações tributárias, que muitas vezes envolvem questões de contabilidade e de Direito Tributário. Na visão de parte dos advogados, esses esclarecimentos ficam prejudicados na plataforma online.
Pontos positivos
Em todas as semanas de julgamento virtual os presidentes de turma indicam no começo de cada sessão um bloco de processos com pedidos de retirada de pauta pelos contribuintes. Os processos normalmente envolvem grandes empresas. A retirada de pauta é um direito do contribuinte, que tem o seu crédito tributário congelado enquanto o processo tramita no âmbito administrativo.
Atualmente, o Carf permite o julgamento virtual de casos de até R$ 8 milhões. Os julgamentos virtuais são aprovados por conselheiros, que costumam elogiar a nova metodologia publicamente durante as discussões online dos processos. Os principais benefícios são a facilidade de julgamento, sem a necessidade de locomoção a Brasília, onde fica a sede do Carf, e a maior produtividade.
Segundo dados publicados pelo próprio tribunal, houve um aumento de 100% de produtividade de casos julgados no mês de junho de 2020 em relação ao mesmo período em 2019.
Para Fernanda Lains, sócia do Bueno & Castro Taw Lawyers, o ambiente de julgamento virtual tem funcionado de forma satisfatória no Carf. Para ela, os testes feitos com processos de menor valor provam que é possível o julgamento de casos mais complexos sem a presença física durante a pandemia.
“Não vejo razão para temer esse ambiente virtual em 2021 com relação aos maiores processos. Podemos fazer a sustentação online e também participar prestando esclarecimentos. O ambiente virtual é sim diferente do presencial, mas não podemos deixar de lado que não sabemos quando essa pandemia vai acabar”, afirmou a tributarista.
Novo momento ou incógnita?
Para Gustavo Amaral, sócio do PCPC Advogados, ainda existe uma “enorme incógnita” sobre como será o futuro do Carf no pós-pandemia, mesmo com as alterações no voto de qualidade.
O tributarista lembra que o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda julgará os processos que discutem a constitucionalidade do dispositivo da Lei do Contribuinte Legal, que acaba com o voto de qualidade. Para deixar o ambiente ainda mais incerto, Amaral destaca que o relator dos processos na Corte é o ministro Marco Aurélio, que deixará o Supremo em julho de 2021, quando completará 75 anos.
“Se passar o período dele no Supremo e o caso não tiver sido julgado, não consigo imaginar o processo sendo concluído nos dois ou três meses seguintes”, afirma Amaral. Ele ressalta que é importante também levar em consideração qual será o perfil do novo ministro que assumirá os processos, caso Marco Aurélio não consiga concluir os casos até a sua saída do STF.