13/11/2020 às 00h00 com informações de Folha de S.Paulo

Trabalhador adia pedido após reforma da Previdência

Se o objetivo da reforma da Previdência era impedir que o brasileiro se aposentasse, a meta foi atingida. É difícil encontrar, entre os segurados que conseguiram o benefício a partir de 13 de novembro de 2019, quem tenha entrado nas regras de transição impostas pela emenda constitucional 103.

Muitos brasileiros que conseguiram o benefício desde então conquistaram a renda previdenciária com direito adquirido e celebram o fato de que não foram atingidos pela reforma, mesmo tendo de esperar na fila do INSS.

Este é o caso da gestora de RH Sonia Maria Denk, 59 anos. Ela fez o pedido da aposentadoria em maio de 2019, logo depois de completar os 30 anos de contribuição, em meio às discussões da reforma. O benefício, no entanto, saiu em abril deste ano.

“Veio naquela hora em que a gente já estava com o salário reduzido. Veio com direito adquirido” conta.

Sonia começou a trabalhar aos 14 anos e acredita que ter iniciado tão cedo na vida profissional foi imprescindível para conseguir o benefício antes da reforma. “Essa reforma me prejudicaria muito se eu não tivesse começado cedo, realmente eu já tinha o direito adquirido e não teve como mexer.”

Ela diz que quando as discussões para mudar a Previdência começaram e enquanto esperava a resposta do INSS, viveu momento de muita apreensão. “O jovem de hoje não tem o sonho da aposentadoria. Nós fomos educados diferente. Lá atrás, quando começava a trabalhar, a gente já sabia que um dia ia se aposentar.”

A aposentada conta que conseguiu um benefício abaixo do valor do teto previdenciário, hoje de R$ 6.101,06, mas que “ajuda bastante”. “Eu acredito que tudo o que vem de ajuda nunca é pouco”, afirma.

O técnico em segurança do trabalho Anatole France da Silva Ribeiro, 56, não teve a mesma sorte de Sonia e foi atingido em cheio pela reforma da Previdência.

Ele completou os 35 anos de pagamentos necessários para a aposentadoria por tempo de contribuição dos homens um pouco depois das mudanças nas regras e, com isso, terá de pagar o pedágio de 50% do tempo que faltava para se aposentar após a publicação da emenda constitucional.

Ribeiro vai atingir as condições mínimas para pedir o benefício em 5 de dezembro deste ano e conta os dias para que isso ocorra. “Eu não quero esperar até 60 anos, tudo bem que eu ganharia R$ 1.000 a mais, mas não quero. A reforma me prejudicou”, afirma.

“Eu não tenho insalubridade, periculosidade nem nada, é o tempo de serviço seco”, diz. O profissional começou a trabalhar com carteira assinada aos 16 anos e, em suas contas, já tem 40 anos de trabalho, mas nem todos os períodos tiveram pagamento de contribuição.

“Eu tenho que pagar um tal de pedágio e, mesmo assim, vou me aposentar com uns R$ 2.800. Eu vou ser bem sincero, isso é um absurdo, eu não estou pedindo nada para eles. Já estou esperando até dezembro.” O profissional diz que continua trabalhando e pretende seguir assim até depois de se aposentar.

Continuar com uma atividade profissional foi a forma que o serralheiro José Bandeira de Assis, 67, encontrou para arcar com as despesas da casa depois que se aposentou. “A minha despesa mês a mês é um gasto de R$ 5.000 e eu recebo menos de R$ 2.000 do INSS. Tem que ter outras fontes de renda”, afirma.

Natural da Paraíba, Assis começou a trabalhar ainda criança, na área rural da fazenda onde morava. O tempo de serviço, porém, não entrou na aposentadoria. Ele sabia que poderia pedir o benefício aos 65 anos, mas decidiu esperar um pouco mais.

Reforma pressionou

O aposentado conta que chegou fazer uma solicitação em 2018, mas não obteve resposta, segundo ele. Com as discussões sobre a reforma da Previdência, procurou um advogado em setembro de 2019, para dar entrada no pedido do benefício.

A resposta saiu em junho deste ano, um mês depois de ele ter feito 67 anos de idade. “Eu me aposentei depois da idade, com tempo já passado e porque entreguei na mão de um advogado. Então, se for ver, eu fiquei esses dois anos para trás sem receber”, contabiliza o segurado.

Com tempo especial por trabalhos em áreas insalubres, o aposentado conseguiu o benefício por idade, após somar 26 anos de contribuição. “Por infelicidade, eu tive três empregos que não depositaram o INSS, então não dava o tempo de trabalho para me aposentar. Eu ouvi falar da reforma, sabia que, depois da reforma, a gente ia perder de 20% a 30%. Tem que ficar ligado.”

​O advogado especialista em aposentadoria Luiz Almeida lembra que a regra geral mudou e quase todas as alterações, de fato, foram prejudiciais aos segurados. "O critério de cálculo foi alterado, sendo contabilizados após a reforma 100% dos salários de contribuição a partir de julho de 94, sendo que anteriormente eram computados os 80% maiores salários. Essa mudança, normalmente, diminui consideravelmente o valor do benefício", diz.

Falta de contribuições é obstáculo para brasileiros

O aposentado Walter Abahit, 65, tinha a expectativa de se aposentar antes da idade mínima para a aposentadoria por idade dos homens, mas não conseguiu. Com duas pontes de safena, após duas operações no coração, e também um AVC (acidente vascular cerebral), Abahit imaginou que conseguiria o benefício por invalidez já que, desde 2007, seus problemas coronários o impedem de trabalhar.

Não conseguiu e teve de esperar chegar à idade mínima. “Eu fiz os 65 anos dia 2 de dezembro [de 2019]. Esperei para dar entrada em março, depois do fim de ano e do Carnaval”, explica ele, que mora em Joanópolis (130 km de SP).

Embora o pedido tenha sido protocolado antes do início da pandemia de coronavírus, o benefício só foi liberado em setembro. Abahit lembra que sempre trabalhou, mas só conseguiu se aposentar com 15 anos de contribuição. “Teve muito tempo que eu não era registrado e, quando parei de trabalhar, há 10, 12 anos, parei de contribuir também. Só me aposentei porque tinhas as contribuições de muito tempo atrás.”

Os “buracos” nas contribuições poderiam ter impedido a aposentadoria da relações públicas Silvana Cordeiro dos Santos, 54. Em 2017, começou a fazer um planejamento previdenciário. Naquele ano, fez a contagem de seu tempo total e descobriu que faltavam três anos para ter os 30 anos mínimos de pagamentos ao INSS, exigidos para a aposentadoria por tempo de contribuição das mulheres antes da reforma.

Em 2019, com as discussões da reforma avançando, ela começou a se preparar. “Eu sabia que não tinha idade, tinha o tempo. Em 9 de setembro, me desliguei da empresa e, em 14 de outubro de 2019, dei entrada no processo pelo Meu INSS.”

Silvana pagou 11 meses de contribuição em atraso como autônoma, de 2015 e 2016, para cobrir os “buracos”. “Efetivamente, eu tenho 40 anos de trabalho, mas nem todos entraram na conta”, dia ela, que começou a trabalhar com carteira assinada aos 14 anos.