Contratos de aluguéis passam por negociações e judicialização durante a pandemia
A pandemia da Covid-19 promoveu uma busca por revisão de contratos de aluguel de imóveis comerciais. Com a restrição de circulação de pessoas e a limitação ao funcionamento do comércio em todo o país, as lojas viram o faturamento despencar, e a despesa com aluguel teve que ser negociada. Quem não conseguiu negociar, procurou o Judiciário. Embora tenha havido relaxamento do isolamento social, especialistas ouvidos pelo JOTA acreditam que as discussões sobre os aluguéis devem continuar, principalmente com a possibilidade de uma segunda onda de contaminação no Brasil.
Especialistas consultados pelo JOTA analisam que as sentenças foram variadas: desde a suspensão total do valor do aluguel até diferentes porcentagens de desconto. Além disso, apontam que as demandas foram se modificando no decorrer dos meses: antes o foco maior estava na suspensão e nos descontos das mensalidades, agora, a retirada de multas na rescisão antecipada tem aparecido com mais frequência.
“Eu observei a inquietação dos inquilinos com a impossibilidade de pagamento de aluguéis diante da restrição das atividades comerciais, o que motivou uma série de ações. Em um primeiro momento para suspender ou reduzir os valores de aluguel e, depois, na medida em que a situação das medidas restritivas foi se postergando, comecei a ver as questões das rescisões de contrato e inexigibilidade de multa”, explica a advogada Viviane Albin, responsável pela área e contencioso e sócia do escritório Arrieiro Papini Advogados.
Ao mesmo tempo, os Legislativos nacional, estaduais e municipais também se moveram em torno da questão. Levantamento realizado pelo JOTA mostra que são pelo menos 44 projetos de lei sobre o assunto em tramitação no país, sendo 13 no Congresso Nacional e os demais nas assembleias legislativas e câmaras municipais.
A maioria dos projetos trata da suspensão de pagamentos, descontos e despejos. O PL 1583/2020, por exemplo, estabelece desconto de 70% nos aluguéis de lojas que estejam localizadas em centros comerciais e shopping centers que estejam com portas fechadas. Já o PL 827/2020 suspende por 90 dias a execução de ordens de despejo de locação de imóveis residenciais e comerciais por causa da pandemia da Covid-19. O PL 1831/2020 permite aos locatários de imóveis residenciais e comerciais a suspensão dos contratos de aluguéis ou a redução dos valores em decorrência das medidas de isolamento e quarentena.
Até o momento, apenas a lei 14.010/2020 – que dispõe sobre o regime jurídico emergencial e transitório das relações jurídicas de Direito Privado durante a pandemia – trouxe alguma alteração sobre a questão dos aluguéis. De acordo com a norma, os juízes não podiam conceder liminar de despejo entre 20 de março e 30 de outubro.
Negociações e Justiça
De acordo com Nabil Sahyoun, presidente da Associação Brasileira de Lojistas de Shopping Centers (Alshop), negociações entre os estabelecimentos e os lojistas se tornaram comuns durante a pandemia. Segundo ele, muitos shoppings deixaram de cobrar os “fundos de promoção”, o valor mensal pago para fazer campanhas comerciais em datas comemorativas. Além disso, ratearam com os lojistas apenas as despesas fixas, como funcionários, segurança e limpeza do estabelecimento.
Sahyoun explica que desde março, 10 mil lojas de shopping centers no Brasil fecharam – o que corresponde a 10% do número de estabelecimentos no país – e o prejuízo estimado é de R$ 40 bilhões. No entanto, para ele, a situação poderia ser pior caso as negociações com aluguéis não tivessem ocorrido. O presidente da associação explica que a maioria dos acordos entre shoppings e lojistas se deu por carta de negociação, e não por aditivo contratual. A carta de negociação é um documento assinado entre as partes, com as condições da negociação e a validade.
“Se houvesse uma radicalização dos shoppings, eles perderiam muito mais lojistas, a reposição ia ser impossível de acontecer e o prejuízo, sem dúvida, seria para todos e mais ainda para os shoppings. No fim, houve bom senso de todo mundo para se ajudar e superar [a crise]. Mas é claro que sempre alguém pode ficar insatisfeito e, por isso, busca a Justiça”, opina.
As decisões judiciais foram as mais diversas sobre a questão. A 1ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT), por exemplo, negou um agravo no dia 12 de agosto em que se pedia a suspensão do valor total da locação porque “havendo comprovação de que houve faturamento, mesmo que demonstrado impacto financeiro negativo nas atividades comerciais do locatário, a suspensão do valor total da locação representa medida desproporcional e contrária aos princípios da função social dos contratos, da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual entre as partes”.
Já os tribunais do Estado de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Rondônia proferiram decisões obrigando os proprietários a concederem redução no aluguel durante a pandemia em porcentagens variadas de 30% a 50%.
No agravo de instrumento de Minas Gerais do dia 10 de setembro, por exemplo, o relator desembargador Marco Aurélio Ferenzini, escreveu que “Logrando a parte autora demonstrar a necessidade de suspensão da exigibilidade de parte dos alugueis devidos à parte requerida enquanto a loja de sua titularidade permanecer fechada em razão da pandemia do Covid-19, a manutenção da decisão que deferiu a medida antecipatória deferida se impõe, devendo, entretanto, ser observado o percentual de 50% (cinquenta por cento) do valor original do aluguel, considerando-se que os efeitos da pandemia são suportados por toda a sociedade”.
No Tribunal de Justiça do Paraná, o juiz Marcos Caires Luz, da 7ª Vara Cível de Londrina, concedeu a suspensão da multa rescisória de mais de R$ 100 mil pelo fim antecipado do contrato de um corretora de câmbio localizada em um shopping center. A decisão é de 16 de junho de 2020.
Na análise dos advogados ouvidos pelo JOTA as decisões variadas sobre os aluguéis são naturais por envolverem contratos entre as partes. Além disso, eles ressaltam os diferentes impactos que a pandemia causou nos segmentos empresariais e, consequentemente, na relação entre proprietários e inquilinos. “A questão de reduzir ou alterar uma cláusula contratual está prevista na legislação brasileira desde sempre, a gente tem isso na Lei de Locações, no Código Civil, principalmente em casos fortuitos e de força maior, que é o caso da pandemia. Ou seja, a situação legal existe e o que o juiz faz é analisar o caso a caso”, explica Lucas Cicala, especialista da área cível do escritório Finocchio & Ustra.
Shopping centers
A Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) informou que as administradoras de shopping center contabilizaram R$ 5 bilhões em adiamento e suspensão de despesas aos lojistas considerando aluguéis, condomínios e fundos de promoção. A entidade informou ainda que “o setor sempre esteve aberto ao diálogo, buscando entender a realidade dos lojistas, caso a caso, sempre prezando pelo bom senso de ambas as partes”.
Além disso, a Abrasce informou que acompanha projetos de lei no Congresso Nacional, estando atenta, principalmente, às proposições que possam afetar o setor ou interferir na iniciativa privada e na livre concorrência.