Convênios de benefícios fiscais de ICMS aumentam na pandemia da Covid-19
A publicação de uma série de convênios prevendo isenções, anistias, parcelamentos fiscais e reduções na base de cálculo do ICMS vem chamando atenção de contribuintes, tributaristas e entidades nos últimos meses. Por um lado, as empresas comemoram os benefícios fiscais estaduais na tentativa de melhorar o fluxo de caixa no período da pandemia da Covid-19. Por outro, há preocupação de que os convênios possam beneficiar os chamados devedores contumazes. Já na visão dos estados, é preciso garantir receita, e conceder benefícios pode estimular o pagamento de tributos.
Para se ter uma ideia do volume de publicações, no último dia 14 de outubro foram publicados 27 convênios. No dia 10 de outubro de 2019 foram 10. Entre os convênios publicados em outubro deste ano estão o de número 123/20, por exemplo, que concede crédito e anistia nas aquisições de materiais refratários por empresas siderúrgicas, com adesão de Minas Gerais e Santa Catarina e prorroga a participação de São Paulo.
Já o convênio 125/20 autoriza os estados de Pernambuco e Santa Catarina a reduzir juros e multas em até 95% referente a dívidas com ICMS no período de março a junho de 2020. O convênio nº 127/20, por sua vez, traz a adesão do Paraná no convênio que autoriza as unidades federadas a conceder anistia das penalidades decorrentes do não pagamento do ICMS em programas de refinanciamento de créditos e restabelecer o parcelamento cancelado.
Em julho e em setembro os estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Alagoas, Amapá, Espírito Santo, Pará, Rio Grande do Sul e Santa Catarina aderiram a convênios para reduzir a base de cálculo do ICMS nas operações com óleo diesel marítimo. No último dia 30 de outubro, o Confaz prorrogou até 31 de março de 2021 convênios com isenções em agrotóxicos e insumos que venceriam no fim de 2020.
Na análise da tributarista Flávia Holanda Gaeta, especialista em Direito Tributário do escritório FH Advogados, os contribuintes já esperavam por mais benefícios fiscais por causa dos prejuízos econômicos trazidos pela pandemia da Covid-19. Segundo ela, as empresas vêm monitorando a movimentação nos estados em relação aos benefícios do ICMS.
“A gente já esperava que tivessem benefícios ou renovação de benefícios agora no pós-lockdown. Os estados tiveram muitas perdas de receita e existem muitas empresas endividadas. Se analisarmos, a maioria desses benefícios está na região Norte e Nordeste, pouco na região Centro-Oeste, Sul e Sudeste. A maioria deles é benefício de anistia, isenção, prorrogação de parcelamento”, explica.
O presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), Edson Vismona, pondera que os convênios podem ajudar as empresas a superarem a crise trazida pela Covid-19. Porém, ele destaca que o excesso de convênios, programas e parcelamentos podem prejudicar a concorrência, uma vez que não há como fazer a distinção se bons ou maus contribuintes vão usufruir das benesses fiscais.
“Especialmente nessa pandemia os benefícios fiscais têm um efeito benéfico para os bons contribuintes, sobretudo para aqueles que estão vivendo dificuldades – não podemos afastar esse fato”, defende Vismona. “Mas essa ações reiteradas de parcelamentos e exclusão de débitos tributários também têm sempre à espreita aquele que nós combatemos, que é o devedor contumaz, aquele que está sempre pronto para se aproveitar dos benefícios fiscais para continuar empurrando os seus débitos e, com isso, ter uma vantagem desleal porque ele não paga imposto”, complementa.
O tributarista Marcel Alcades Theodoro, sócio de Tributário do escritório Mattos Filho, lembra que o Brasil tem histórico de conceder anistias fiscais de tempos e tempos e que essa prática acaba não sendo um expediente bom porque dá margem a ação dos maus contribuintes. No entanto, o advogado não recomenda aos contribuintes postergar dívidas tributárias.
“Se a empresa é de fato idônea e quer produzir, hoje é muito difícil ela trabalhar com uma dívida tributária. Na verdade, ela não consegue fazer nada. Com essa estratégia de ‘deixa rolar’ , ‘vamos esperar uma anistia’, a empresa vai ter um custo sobre isso, um custo de defesa de auto de infração e, se for para o Judiciário, vai ter que dar um jeito de suspender a exigibilidade”, analisa.
Para Theodoro, o estado não pode tratar uma empresa que questiona eventuais cobranças tributárias como ele trata o fraudador tributário. “O contribuinte tem direito de discutir quando ele acha que a cobrança tributária é indevida. O contribuinte paga impostos, paga os funcionários, só que discorda do Fisco e tem fundamento legal para discordar no Judiciário. Mas o fisco jamais pode tratar esse contribuinte da mesma forma que trata o fraudador”, alerta. Para ele, uma solução seria os fiscos criarem ratings de contribuintes para diferenciá-los.
Estados
Na análise de André Horta, diretor institucional do Comitê de Secretários da Fazenda, Finanças, Receitas ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), não há estudos que comprovem que a quantidade de convênios de ICMS tenha aumentado na pandemia da Covid-19. Mas ele afirma que a pandemia diminuiu a arrecadação e os estados precisam de receitas para fechar o ano.
O diretor ressalta que não há estatística sobre a quantidade de convênios que tiveram inovação material nos últimos anos, isto é, quantos convênios criaram de fato um novo benefício fiscal, isso porque a maioria do que é publicado diz respeito a entrada ou saída de estados de determinados convênios.
Horta lembra ainda que para um estado conceder benefício fiscal ele vai abrir mão de uma receita. Portanto, para cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o ente federado precisa comprovar para a Assembleia Legislativa estadual qual receita vai entrar no lugar daquela que foi retirada via benefício fiscal.
“Normalmente, essas receitas saem com estudos que mostram que, se tiver redução [tributária] provavelmente vai haver diminuição no preço do produto, o que vai gerar aumento da venda e da arrecadação”, explica. “Mas essa relação não é tão cartesiana e traz muita controvérsia”, pondera.
Segundo o diretor, o Comsefaz pretende diminuir os benefícios fiscais. Para isso, vai elaborar um estudo com todo o Brasil e criar uma agenda conjunta entre os estados para a redução. Horta afirma também que, infelizmente, de uma forma geral, os convênios beneficiam devedores contumazes porque os estados têm dificuldades de fazer a distinção. “O problema [do benefício fiscal] é que começa a dar para um setor, para outro e tem uma hora que ninguém segura mais. Quando um estado dá, o outro também dá, se não a empresa sai e vai para outro estado. Com isso, a pressão política é muito grande”, afirma.