PL facilita recuperação judicial de pequenas empresas, mas enfrenta desconfiança
Um projeto de lei aprovado pelo Senado tenta suprir as lacunas deixadas na Lei de Recuperações Judiciais e Falências e facilitar o uso dos institutos por pequenos empreendedores e startups. O Projeto de Lei Complementar (PLP 33/2020), segundo especialistas entrevistados pelo JOTA, representa, em tese, um avanço na legislação sobre recuperação judicial. Entretanto, caso aprovado pela Câmara, ainda não há certeza de que o texto será realmente eficiente no dia a dia ou representará apenas um “mais do mesmo”.
De autoria do senador Angelo Coronel (PSD-BA), o projeto, que institui o Marco Legal do Reempreendedorismo, foi aprovado por unanimidade pelo Senado no dia 8 de dezembro e seguiu para análise da Câmara dos Deputados. O PLP estabelece conceitos como a renegociação especial extrajudicial e a renegociação judicial, além de alterar o regime de falência das microempresas e empresas de pequeno porte.
Nos bastidores do Congresso, o JOTA apurou que, embora não faça parte dos projetos considerados prioritários pelo governo, a aprovação do PLP sinaliza que o Senado está disposto a aprovar pautas econômicas que possam ajudar na retomada das atividades pós-pandemia.
Atualmente, o alto custo processual e a demora de julgamentos no Judiciário são os principais problemas que as pequenas empresas enfrentam na recuperação judicial. A estrutura financeira mais simples não possibilita uma longa espera pela decisão da Justiça, fato que afasta essas companhias dos procedimentos de recuperação judicial, afirmam especialistas.
“Quanto à falência, existe um certo preconceito, uma questão cultural, de que falir seria uma espécie de crime e, pior, com sanções perpétuas. O PLP tenta contornar esses problemas”, explica o advogado Pedro Teixeira, sócio do Teixeira, Prima, Butler Advogados.
Para Marcelo Barbosa Sacramone, da 2ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de São Paulo, o projeto de lei representa “um grande avanço na desburocratização e redução de custos para a regularização da atividade das Empresas de Pequeno Porte e Microempresas”.
Principais Medidas
O PLP propõe como solução ao impasse das pequenas empresas medidas como a possibilidade de o devedor propor e negociar com credores planos de renegociação especial extrajudicial e requerer a renegociação especial judicial, uma forma mais simples e menos burocrática no Judiciário.
O ajuizamento do pedido de renegociação especial extrajudicial, por exemplo, suspende todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores do sócio responsável pelo negócio.
Para propor o pedido extrajudicial, o devedor deve seguir requisitos como não ter cessado as suas atividades há mais de 180 dias do ajuizamento do pedido. Além disso, o devedor não pode ter sido condenado e não pode ter, como administrador, titular ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos na Lei 11.101/2005, como crime contra o patrimônio, a economia popular e a ordem econômica.
Ademais, o PLP permite a regularização do encerramento das pequenas empresas por meio de um procedimento exclusivamente extrajudicial, sem a fiscalização do Poder Judiciário. O texto da lei propõe ainda o registro em órgãos públicos para a liquidação, com prazos reduzidos, dos ativos por meio de leilão.
Outra medida do PLP é acabar com a limitação de parcelas, valores, e prazos de pagamento, conforme previsto na Lei de Recuperações e Falências. Segundo a justificativa do texto, essas limitações são “insustentáveis” diante de uma situação de maior dificuldade para pequenas empresas.
“O PLP que ora se apresenta busca sanar e mitigar os gargalos existentes na legislação, bem como introduzir em nosso ordenamento jurídico melhores práticas e diretrizes internacionais em relação à reestruturação de dívida”, escreveu o autor da proposta na justificativa do texto.
Segundo especialistas, a nova lei de falência e recuperação judicial (Lei 4.458/2020), aprovada no dia 25 de novembro pelo Senado, focou na atualização das normas para as grandes empresas e para o produtor rural, sem muito espaço para as pequenas empresas.
“A legislação vigente não dá tratamento adequado para microempresas e empresas de pequeno porte. O motivo de não ter sido tratado na reforma foi justamente a necessidade de aprofundamento do debate”, afirmou Pedro Teixeira.
Teoria X Realidade
Apesar do avanço no texto da lei em relação às pequenas empresas, especialistas afirmam que ainda não é possível garantir que, caso aprovado, o PLP funcionará de fato e acabará com a “lacuna” das pequenas empresas dentro da legislação da recuperação judicial.
“Só a prática poderá dizer se as soluções do PLP foram corretas ou ‘mais do mesmo’. Particularmente, vejo um bom avanço na questão da liquidação extrajudicial, embora ainda muito contido e com poucas soluções claras de como isso funcionaria na prática. A teoria pode ser completamente diferente da prática”, explica Pedro Teixeira.
Por outro lado, avalia o advogado, o texto “peca por ser excessivamente extenso e até redundante” em relação à lei reformada de recuperação judicial. Ele também acredita que o PLP teve uma quantidade inferior de debate em relação à importância e complexidade do tema.
Para o advogado de Direito Empresarial Vitor Gomes Rodrigues de Mello, pequenas empresas raramente fazem uso da recuperação judicial. “Dados da Associação Brasileira de Jurimetria mostram que a distribuição do pedido de recuperação judicial por parte de pequenas empresas representa 20% das ações de recuperação judicial em andamento”, diz.
Para ele, as soluções previstas na proposta são importantes e positivas para facilitar a utilização da recuperação judicial por parte das startups e pequenos empreendedores.