18/12/2020 às 00h00 com informações de Jota

PL facilita recuperação judicial de pequenas empresas, mas enfrenta desconfiança

Um projeto de lei aprovado pelo Senado tenta suprir as lacunas deixadas na Lei de Recuperações Judiciais e Falências e facilitar o uso dos institutos por pequenos empreendedores e startups. O Projeto de Lei Complementar (PLP 33/2020), segundo especialistas entrevistados pelo JOTA, representa, em tese, um avanço na legislação sobre recuperação judicial. Entretanto, caso aprovado pela Câmara, ainda não há certeza de que o texto será realmente eficiente no dia a dia ou representará apenas um “mais do mesmo”.

De autoria do senador Angelo Coronel (PSD-BA), o projeto, que institui o Marco Legal do Reempreendedorismo, foi aprovado por unanimidade pelo Senado no dia 8 de dezembro e seguiu para análise da Câmara dos Deputados. O PLP estabelece conceitos como a renegociação especial extrajudicial e a renegociação judicial, além de alterar o regime de falência das microempresas e empresas de pequeno porte.

Nos bastidores do Congresso, o JOTA apurou que, embora não faça parte dos projetos considerados prioritários pelo governo, a aprovação do PLP sinaliza que o Senado está disposto a aprovar pautas econômicas que possam ajudar na retomada das atividades pós-pandemia.

Atualmente, o alto custo processual e a demora de julgamentos no Judiciário são os principais problemas que as pequenas empresas enfrentam na recuperação judicial. A estrutura financeira mais simples não possibilita uma longa espera pela decisão da Justiça, fato que afasta essas companhias dos procedimentos de recuperação judicial, afirmam especialistas.

“Quanto à falência, existe um certo preconceito, uma questão cultural, de que falir seria uma espécie de crime e, pior, com sanções perpétuas. O PLP tenta contornar esses problemas”, explica o advogado Pedro Teixeira, sócio do Teixeira, Prima, Butler Advogados.

Para Marcelo Barbosa Sacramone, da 2ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de São Paulo, o projeto de lei representa “um grande avanço na desburocratização e redução de custos para a regularização da atividade das Empresas de Pequeno Porte e Microempresas”.

Principais Medidas

O PLP propõe como solução ao impasse das pequenas empresas medidas como a possibilidade de o devedor propor e negociar com credores planos de renegociação especial extrajudicial e requerer a renegociação especial judicial, uma forma mais simples e menos burocrática no Judiciário.

O ajuizamento do pedido de renegociação especial extrajudicial, por exemplo, suspende todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores do sócio responsável pelo negócio.

Para propor o pedido extrajudicial, o devedor deve seguir requisitos como não ter cessado as suas atividades há mais de 180 dias do ajuizamento do pedido. Além disso, o devedor não pode ter sido condenado e não pode ter, como administrador, titular ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos na Lei 11.101/2005, como crime contra o patrimônio, a economia popular e a ordem econômica.

Ademais, o PLP permite a regularização do encerramento das pequenas empresas por meio de um procedimento exclusivamente extrajudicial, sem a fiscalização do Poder Judiciário. O texto da lei propõe ainda o registro em órgãos públicos para a liquidação, com prazos reduzidos, dos ativos por meio de leilão.

Outra medida do PLP é acabar com a limitação de parcelas, valores, e prazos de pagamento, conforme previsto na Lei de Recuperações e Falências. Segundo a justificativa do texto, essas limitações são “insustentáveis” diante de uma situação de maior dificuldade para pequenas empresas.

“O PLP que ora se apresenta busca sanar e mitigar os gargalos existentes na legislação, bem como introduzir em nosso ordenamento jurídico melhores práticas e diretrizes internacionais em relação à reestruturação de dívida”, escreveu o autor da proposta na justificativa do texto.

Segundo especialistas, a nova lei de falência e recuperação judicial (Lei 4.458/2020), aprovada no dia 25 de novembro pelo Senado, focou na atualização das normas para as grandes empresas e para o produtor rural, sem muito espaço para as pequenas empresas.

“A legislação vigente não dá tratamento adequado para microempresas e empresas de pequeno porte. O motivo de não ter sido tratado na reforma foi justamente a necessidade de aprofundamento do debate”, afirmou Pedro Teixeira.

Teoria X Realidade

Apesar do avanço no texto da lei em relação às pequenas empresas, especialistas afirmam que ainda não é possível garantir que, caso aprovado, o PLP funcionará de fato e acabará com a “lacuna” das pequenas empresas dentro da legislação da recuperação judicial.

“Só a prática poderá dizer se as soluções do PLP foram corretas ou ‘mais do mesmo’. Particularmente, vejo um bom avanço na questão da liquidação extrajudicial, embora ainda muito contido e com poucas soluções claras de como isso funcionaria na prática. A teoria pode ser completamente diferente da prática”, explica Pedro Teixeira.

Por outro lado, avalia o advogado, o texto “peca por ser excessivamente extenso e até redundante” em relação à lei reformada de recuperação judicial. Ele também acredita que o PLP teve uma quantidade inferior de debate em relação à importância e complexidade do tema.

Para o advogado de Direito Empresarial Vitor Gomes Rodrigues de Mello, pequenas empresas raramente fazem uso da recuperação judicial. “Dados da Associação Brasileira de Jurimetria mostram que a distribuição do pedido de recuperação judicial por parte de pequenas empresas representa 20% das ações de recuperação judicial em andamento”, diz.

Para ele, as soluções previstas na proposta são importantes e positivas para facilitar a utilização da recuperação judicial por parte das startups e pequenos empreendedores.