08/01/2021 às 00h00 com informações de Jota

O paradoxo dos Regimes Optativos do ICMS-ST

O Poder Executivo do Rio Grande do Sul renovou o Regime Optativo de Tributação da Substituição Tributária do ICMS (ROT ST) para o ano de 2021. Até 15 de dezembro, apenas 55% das empresas com faturamento acima de R$ 3,6 milhões teriam formalizado a opção pelo regime, razão pela qual o prazo para adesão foi prorrogado para 15 de janeiro deste ano.

Regimes semelhantes foram adotados por outros estados, a exemplo do Paraná (Lei Estadual nº 20.250/20), São Paulo (Lei Estadual nº 17.293/20), Mato Grosso (Decreto nº 271/19), entre outros, sempre com base no Convênio nº 67, do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), haja vista que o regime, em linha de princípio, importa em renúncia de receita dos entes estaduais, sendo, por isso, considerado um benefício fiscal.

Mas qual é a finalidade do ROT ST? Do ponto de vista científico, poderíamos dizer que o regime impede a incidência das normas estaduais que, após o julgamento do Recurso Extraordinário nº 593.849 (Tema 201), no ano de 2016, passaram a exigir a apuração (obrigação acessória) da diferença entre a base de cálculo presumida, utilizada pelo substituto tributário, e a base de cálculo efetiva, utilizada na venda ao consumidor final pelo contribuinte varejista.

Além disso, caso a base presumida seja inferior à base efetiva, o benefício impede a incidência da norma que exige o pagamento da complementação do ICMS em favor da Fazenda Pública (obrigação principal), ainda que a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal, no RE nº 593.849, não pudesse ser mais precisa no sentido de que somente seria devida a restituição em favor do contribuinte.

Por fim, caso a base presumida seja superior à base efetiva, impede que o contribuinte exija a restituição (direito do contribuinte) prevista no art. 150, §7º, da Constituição Federal de 1988 (CF/88), uma vez que a não oposição desse direito contra a Fazenda Pública consta expressamente como condição para adesão ao regime. Vale dizer: o contribuinte, para aderir ao ROT ICMS-ST, deve renunciar, de forma expressa, o exercício do direito reconhecido pelo STF no julgamento do Tema 201.

Especificamente no caso do Rio Grande do Sul, além de não poder exigir a restituição durante a vigência do benefício (presente e futuro), o contribuinte deve desistir de qualquer discussão administrativa ou judicial relacionada ao ICMS-ST, inclusive aquelas propostas por entidades representativas, bem como renunciar a direitos reconhecidos em ações judiciais transitadas em julgado.

Ou seja, exige que o contribuinte não promova a restituição de créditos que lhe seriam devidos antes mesmo da adesão ao programa (passado), exigência, esta, que parece-nos desafiar garantias fundamentais inscritas no art. 5º, XXXVI, da CF/88.

E caso o contribuinte não realize a adesão ao ROT ST? Ainda tomando como exemplo a legislação gaúcha, o Decreto nº 55.521/20, além das alterações relativas ao ROT ST, modifica também as obrigações acessórias que deverão ser cumpridas por aqueles que não realizarem a opção pelo ROT, ou seja, que permanecerem apurando o “Ajuste do ICMS-ST”.

A modificação dessas regras, entretanto, não é propriamente uma novidade no Rio Grande do Sul: desde a criação da sistemática, em 2018, já são 14 (quatorze) alterações da SUBSEÇÃO IV-A (Do Ajuste do Imposto Retido por Substituição Tributária) do Livro III, Título III, Capítulo I, Seção I, do Regulamento do ICMS do Rio Grande do Sul.

E o problema não se resume à “quantidade” de alterações – fato que, por si só, demanda constante adaptação de sistemas contábeis-fiscais e protocolos internos de trabalho – , mas também à sua “complexidade”: as obrigações acessórias estão cada vez mais onerosas para aqueles que, abandonando a ficção criada com bases “presumidas” ou “provisórias” do ICMS, ousam apurar o verdadeiro imposto incidente sobre as operações que realizam com mercadorias.

Exemplo disso é a Alteração nº 5.342, constante do Decreto nº 55.521/20, que impõe aos contribuintes que permanecerem apurando o Ajuste do ICMS-ST em 2021 o dever de preencher mensalmente o bloco H da Escrituração Fiscal Digital (EFD) com informações sobre o inventário do estoque da empresa. Até então, o inventário deveria ser informado ao Fisco apenas uma vez ao ano.

No Paraná, por exemplo, para que seja possível realizar a restituição do ICMS, o Fisco paranaense, através da Norma de Procedimento Fiscal nº 03/2020, exige que contribuintes preencham o Arquivo Digital de Recuperação, Ressarcimento e Complementação do ICMS-ST (ADRC-ST) – cujo leiaute somente foi disponibilizado aos contribuintes no presente ano –, com informações de todas as operações realizadas a partir de 20 de outubro de 2016.

O custo que envolve o cumprimento dessa obrigação acessória, bem como o tempo gasto na sua realização, vem forçando empresas a aderirem ao ROT ST.

Eis uma verdade: a criação e a exigência de obrigações acessórias não impactam apenas na complexidade do sistema tributário, mas afetam diretamente o contribuinte pela interferência em sua liberdade e no seu patrimônio. Essa interferência no patrimônio da empresa é contabilmente apurada sob a rubrica de “custos de conformidade”, tradução livre da expressão tax compliance costs.

Na precisa definição de Misabel Derzi, os custos de conformidade são aqueles “assumidos pela empresa para se adequar ao modelo instituído de cumprimento das obrigações tributárias para além do tributo propriamente dito”.

Assim, é possível afirmar que os custos de conformidade que envolvem a apuração da diferença entre a base presumida e a base efetiva do ICMS-ST estão obrigando grande parte dos contribuintes, independentemente do seu faturamento, a aderirem ao Regime Optativo. Eis o paradoxo: não há opção a não ser o Regime Optativo.

Por isso, empresas com interesse na opção pelo ROT ST devem realizar uma análise criteriosa do tema. Para contribuir, destacamos algumas das medidas já adotadas pelo Governo do RS imediatamente após a edição do primeiro ROT, vigente durante o ano de 2020: (i) encerramento de ações judiciais; (ii) majoração da Margem de Valor Agregado (MVA) de algumas mercadorias; (iii) exigência de estorno de créditos sobre o estoque de mercadorias; e (iv) indeferimento de pedidos de restituição que aguardavam desfecho na esfera administrativa;

Nesse contexto, a despeito da constitucionalidade da cobrança da complementação do ICMS-ST, parece-nos que o Poder Executivo, por meio de atos normativos por ele mesmo expedidos, cria obrigações acessórias que aumentam os custos de conformidade que envolvem a apuração da diferença entre a base presumida e a base efetiva do ICMS-ST, forçando os contribuintes a realizarem a opção pelo Regime Optativo, fato que impede o exercício do direito assegurado no RE nº 593.849 e, por via de consequência, permite a majoração das margens de valor agregado utilizadas pelas fazendas estaduais. Como dito, um paradoxo.