Prescrição Tributária. Termo inicial para contagem do prazo
(Kiyoshi Harada)Um dos aspectos mais controvertidos em matéria de prescrição tributária é o que diz respeito ao dia em que começa a contar a prazo qüinqüenal para cobrança do crédito tributário estabelecido no art. 174 do CTN.
Como se sabe, a prescrição, tanto quanto a decadência, é causa de extinção do crédito tributário (art. 156, V do CTN), pelo que, quem paga crédito tributário prescrito faz jus à sua repetição, bem como, consumada a prescrição o contribuinte poderá pleitear a expedição de certidão negativa.
Por isso, é de suma importância fixar corretamente o dia em que começa a fluir o prazo prescricional. Cumpre esclarecer, de início, que de conformidade com a regra de direito comum exclui-se o dia do começo e inclui-se o dia do vencimento. Quando, então, começa a fluir esse prazo?
Começa a fluir a partir da data da constituição definitiva do crédito tributário pelo lançamento, definido no art. 142 do CTN como procedimento administrativo tendente à verificação da ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível. Na prática, a penalidade, quando cabível, já vem aplicada no ato do lançamento. Prescreve o seu parágrafo único que essa atividade administrativa é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional, o que retira o caráter discricionário do agente público competente. Dessa forma, ainda que o diminuto valor do crédito tributário a ser cobrado cause prejuízo à Fazenda Pública, não cabe ao agente público dispensar a atividade do lançamento.
E aqui é oportuno distinguir procedimento administrativo do lançamento para constituição do crédito tributário, que não comporta o contraditório e ampla defesa como sustentado por alguns processualistas, com o sistema de responsabilização de terceiros pelo pagamento do crédito tributário regularmente constituído que, ao teor dos artigos 134 e 135 do CTN, implica assegurar ao terceiro a quem se imputa a responsabilidade tributária o contraditório e ampla defesa. Por isso, o art. 124 do CTN deve ser interpretado em harmonia com os dois dispositivos do Código retromencionados. Não basta a lei, com fundamento no art. 124, II, prescrever que o sócio gerente é responsável solidariamente com a pessoa jurídica devedora. Isso seria criar a figura de responsabilidade objetiva fora do permissivo constitucional do § 6º, do art. 37.
Do exposto resulta que para fixar o termo inicial da prescrição é preciso definir o momento em que ocorre a constituição definitiva do crédito tributário. Ela ocorre com a notificação do lançamento ao sujeito passivo ao teor do art. 142 c.c o art. 145 do CTN.
Constituído definitivamente o crédito tributário, abrem-se duas possibilidades: a) o sujeito passivo efetua o pagamento, hipótese em que extingue-se o crédito tributário; b) o sujeito passivo resiste à pretensão do fisco apresentando impugnação ao crédito tributário, dando nascimento ao processo administrativo tributário que outra coisa não é senão o meio de solucionar a lide. A Fazenda sabe de antemão que precisa encerrar esse processo antes dos cinco anos sob pena de prescrição.
Alguns autores de renome sustentam que o procedimento só se encerra com a final manifestação do fisco no processo administrativo. Acrescentam que se suspensa está a exigibilidade do crédito tributário pela impugnação ou recurso (art. 151, III do CTN) não poderia estar fluindo um prazo prejudicial à cobrança do crédito tributário, bem como que enquanto não houver manifestação final irrecorrível do fisco aquele crédito tributário constituído pelo lançamento a que se refere o art. 142 do CTN poderá ser alterado.
Respeitamos esse posicionamento, mas com ele não concordamos. Primeiramente, porque confunde procedimento do lançamento que se encerra com o ato do lançamento, com processo administrativo tributário, que é instrumento de solução da lide surgida pela impugnação do sujeito passivo (resistência à pretensão do fisco). Em segundo lugar, essa tese conduz necessariamente à existência de um crédito tributário provisório que não tem abrigo em nenhum dispositivo do CTN. Em terceiro lugar, acaba conferindo efeito jurídico ao ato potestativo da Fazenda. Se ela levar dez, quinze ou vinte anos para proferir a decisão final no processo administrativo o prazo prescricional de cinco anos não estará fluindo. Em quarto lugar, porque se provido o recurso do contribuinte em última instância administrativa extingue-se o crédito tributário (art. 156, IX do CTN) a demonstrar que o crédito estava constituído definitivamente desde a data da notificação do lançamento. Da mesma forma, a decisão judicial passada em julgado extingue o crédito tributário (art. 156, X do CTN). Em quinto lugar, essa tese conspira contra o princípio da segurança jurídica, que fundamenta tanto a prescrição, como a decadência; de fato, não estará fluindo o prazo decadencial, porque o crédito tributário já foi constituído, ainda que de forma provisória, e nem estará fluindo o prazo prescricional porque o processo administrativo tributário ainda não foi encerrado por opção do fisco.
Esclareça-se que do prazo de cinco anos o contribuinte é responsável pela utilização de apenas 45 dias (30 dias para impugnar e 15 dias para interpor recurso ordinário), acrescido, eventualmente, de mais 15 dias para apresentação, quando cabível, de recurso especial. No processo administrativo não há espaço para o contribuinte apresentar recursos protelatórios de variadas espécies como acontece no processo judicial. Confesso que este posicionamento não é pacífico na doutrina e na jurisprudência. Se pretende efetuar a reforma do Código Tributário Nacional, como apregoada por setores da doutrina especializada, este é um dos aspectos que deve merecer uma disciplinação clara em nome do princípio da segurança do direito. Se o legislador acolher o posicionamento retromencionado deve inserir norma expressa prevendo a prescrição intercorrente, sob pena de eternizar o processo administrativo tributário.
Mas, a controvérsia acerca do termo inicial da prescrição não se resume no aspecto até aqui examinado. Há dúvidas e incertezas nas hipóteses de moratórias revogadas e de rescisão dos termos de parcelamento de débitos tributários.
O parcelamento de débitos tributários como Refis, Paes e Paex, apesar de ser reconhecido pela doutrina como moratória com esta não se confunde ao menos nos termos regulado pelo CTN (art. 155-A e parágrafos). Porém, ambos suspendem a exigibilidade do crédito tributário como se depreende do art. 151, I e 151, VI do CTN, respectivamente. Examinemos os dois institutos.
Na concessão de moratória em caráter individual não se interrompe a prescrição. Tanto é que na hipótese de moratória obtida mediante dolo ou simulação do beneficiado ou de terceiro em benefício daquele poderá ser revogada de ofício com imposição de penalidade, hipótese em que o tempo decorrido entre a concessão de moratória e sua revogação não se computa para efeito da prescrição (art. 155, I c.c parágrafo único, primeira parte do CTN). A revogação da moratória nos casos em que não se apurou o dolo do beneficiado dar-se sem imposição de penalidade e desde que ainda não prescrito o crédito tributário (art. 155, II c.c. parágrafo único, parte final do CTN). A revogação da moratória motivada pelo dolo do beneficiado implica anulação do prazo prescricional já decorrido. Prescreveu-se, portanto, a suspensão retroativa do prazo prescricional, porque princípios éticos e morais impedem de favorecer com a consumação do prazo legal de cobrança o contribuinte que agiu com dolo. Isso significa que o suporte fático da suspensão do prazo prescricional não é a moratória, mas a sua revogação. Outrossim, a revogação da moratória, porque apurou-se que o contribuinte não fazia jus a ela, ou que deixou de cumprir as condições estabelecidas para a fruição do benefício, sem que se possa imputar conduta dolosa do sujeito passivo, somente poderá ser feita antes de consumada a prescrição, o que, implica reconhecer a fluência do prazo prescricional durante o período abrangido pela moratória.
Na verdade, de revogação não se trata, mas de anulação do ato concessivo da moratória, conforme já escrevemos:
"Ora, se examinarmos as hipóteses dos incisos I e II, em confronto com o caput do art. 155, chega-se à conclusão de que em ambos os casos estamos diante de anulabilidade da moratória. Não é possível extrair desses textos legais a ilação de que a moratória concedida tornou-se inoportuna ou inconveniente a recomendar sua revogação. Uma vez obtida nos estritos termos da lei, a moratória passa se constituir-se em direito adquirido de seu beneficiário, tornando-se insusceptível de revogação. Concluindo, como a moratória é um dos casos de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, conclui-se que a suspensão desta não implica suspensão da prescrição" (Cf. nosso Direito financeiro e tributário, 18ª edição. São Paulo: Atlas, 2009, p. 507).
Examinemos, agora, a figura do parcelamento acrescida ao elenco do art. 151 do CTN pela LC nº 104/01 e regulado pelo art. 155-A do CTN introduzido pela mesma lei complementar.
Como parcelamento do débito implica confissão irretratável do débito, porque não se pode parcelar sem conhecer o montante exato do débito, interrompe-se a prescrição nos precisos termos do art. 174, IV do CTN, isto é, zera-se o prazo prescricional no ato da celebração do termo de parcelamento. Rescindido o parcelamento por inadimplência do beneficiado, pergunta-se, qual o termo inicial da fluência do prazo prescricional? Da data da publicação do despacho da autoridade administrativa competente excluindo o contribuinte faltoso do regime de parcelamento, ou da data em que o contribuinte cometeu a infração que implique sua exclusão automática do regime especial de pagamento? Aqui torna-se necessário o exame da legislação que rege o pagamento parcelado.
Todas as legislações que versam sobre parcelamento contêm dispositivos prevendo a rescisão do pacto pelo inadimplemento de duas prestações (Lei nº 10.522/02), ou de três prestações mensais consecutivas ou de seis prestações alternadamente (Leis ns. 9.964/02 e 10.684/03). Portanto, basta o implemento da condição prevista em lei para o rompimento automático do regime especial de pagamento, independentemente de qualquer formalidade por parte do fisco. Aliás, era o que dispunha o § 2º, do art. 7º da Medida Provisória nº 303, de 29-6-2006, que perdeu vigência por não ter sido convertida em lei no prazo do § 3º, do art. 62 da CF.
Por derradeiro, para encerrar a controvérsia, a jurisprudência do STJ vem decidindo na esteira da Súmula 248 do antigo Tribunal Federal de Recursos:
"O prazo de prescrição interrompido pela confissão do parcelamento da dívida fiscal recomeça a fluir no dia em que o devedor deixa de cumprir o acordo celebrado".