05/08/2021 às 00h00 com informações de Jota

Carf analisa proposta de súmula para fins de denúncia espontânea

No dia 6 de agosto de 2021, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) irá deliberar sobre o teor de 45 propostas de novas súmulas. Dentre elas, está a proposta de Súmula nº 16, dispondo que “A compensação de tributos, mediante a declaração de compensação (DCOMP), não se equivale a pagamento, para fins de denúncia espontânea”.

O instituto da denúncia espontânea é previsto pelo art. 138 do CTN e ocorre quando o contribuinte realiza o pagamento do tributo devido e dos juros de mora antes de qualquer procedimento de fiscalização, sendo dispensado do recolhimento da multa moratória. Por meio da 16ª Proposta de Enunciado de Súmula, o Carf poderá consolidar a tese defendida pelo Fisco ao definir que a compensação não equivale ao pagamento para fins de denúncia espontânea.

Conforme dispõe o Regimento Interno do Tribunal, as decisões reiteradas e uniformes do Carf serão consubstanciadas em súmulas e suas propostas são condicionadas à existência de cinco acórdãos favoráveis de duas turmas diferentes sobre a matéria.  Em razão do próprio regimento, portanto, a proposição de súmulas não exige que haja entendimento pacificado do Carf sobre a matéria em questão.

Aqui encontramos o ponto de discussão desse artigo: apesar de não ser necessário o entendimento pacificado para a proposta de enunciado, é importante que o Tribunal aprove por pelo menos 3/5 dos conselheiros do Plenário somente enunciados relacionados às matérias que estiverem suficientemente maduras. Isso porque a súmula, em sua origem, tem a função de sintetizar o entendimento consolidado de um tribunal acerca de um determinado assunto em prol da segurança jurídica. Por essa razão, deve ser observado todo o conjunto de decisões que de fato constituam uma jurisprudência a ponto de ser sumulada.

Para avaliar a proposta de Súmula nº 16 sob tal perspectiva, analisamos 57 acórdãos proferidos pelo Carf no período de 01/2017 a 07/2021, e identificamos os seguintes resultados: 27 favoráveis à tese do Fisco por maioria ou unanimidade, 22 decididos por voto de qualidade a favor do Fisco (7 proferidos já na vigência do artigo 19-E da Lei nº 10.522/2002 e 15 proferidos na sistemática anterior), 7 favoráveis ao contribuinte por maioria ou unanimidade e 1 favorável ao contribuinte decidido por meio do desempate favorável aos contribuintes, aplicando-se o artigo 19-E da Lei nº 10.522/2022. Tal quadro demonstra, portanto, que a matéria ainda é controvertida.

Ainda, para a proposição da súmula nº 16, foram apresentados como precedentes 13 acórdãos favoráveis à tese fazendária, no sentido de que a compensação não se equipara ao pagamento, pois apenas extingue o crédito tributário sob condição resolutória de posterior homologação. Entre eles, apenas 3 foram julgados por unanimidade, 9 por maioria e 4 por voto de qualidade.

Não custa lembrar que a sistemática do voto de qualidade foi recentemente alterada pelo artigo 28 da Lei nº 13.988/2020, a qual inseriu o artigo 19-E na Lei nº 10.522/2002 para prever que, em casos de empate, o resultado deverá ser favorável ao contribuinte. Como reação a tal modificação, o Ministério da Economia editou a Portaria nº 260/2020, por meio da qual definiu que o desempate a favor do contribuinte não pode ser aplicado, entre outros casos, em processos que discutam a compensação tributária.

Por essa razão, mesmo sob a vigência da Lei 13.988/2020, os processos que envolvem a matéria tratada na proposta de Súmula nº 16 continuam sendo desempatados por meio da antiga sistemática do voto de qualidade, qual seja: os empates são decididos por meio do voto proferido pelo Presidente da Turma, que é sempre um representante do Fisco.

A única exceção entre os 8 acórdãos analisados em que o Tribunal decidiu sob a vigência da nova sistemática é de nº 9303-011.117[1]. Nessa oportunidade, a 3ª Turma do Carf, de maneira inédita, entendeu pelo desempate em favor do contribuinte, aplicando o art. 19-E da Lei nº 10.522/2002 de forma a desconsiderar a extensão dada ao novo mecanismo pela Portaria nº 260/2020.

Pode-se verificar, portanto, que o tema ainda se encontra em um cenário bastante instável. Isso porque o entendimento, apesar de numericamente favorável ao Fisco, definitivamente não está pacificado.

Esse é o mesmo cenário do Poder Judiciário, em especial o Superior Tribunal de Justiça, que também possui entendimento controverso sobre a matéria, o que pode ser constatado nos precedentes favoráveis aos contribuintes, como é o caso dos entendimentos firmados no julgamento dos recursos especiais de nº  1.122.131/SC e 1.136.372/RS.

Por esse motivo, é imprescindível ao Carf avaliar se a matéria posta à consideração está ou não madura o suficiente para ser sumulada. Vale dizer que, uma vez aprovado, os conselheiros estarão obrigatoriamente vinculados ao enunciado da súmula, sob pena de perda de mandato, nos termos do art. 45, inciso VI, do Regimento Interno do Tribunal.

Destacamos, por fim, que o Carf é um órgão técnico e especializado que contribui significativamente para a redução do contencioso judicial. No entanto, ao sedimentar matéria ainda controvertida na esfera administrativa, não apenas desvirtuará a própria finalidade da súmula, de uniformizar a jurisprudência e, via de consequência, promover a segurança jurídica, como também acarretará a transferência de litígios ao Poder Judiciário.