As informações que o contribuinte presta ao Fisco
A declaração de planejamento tributário é uma total inversão de valores que traz pesados custos à atividade empresarial brasileiraA edição de 28 de agosto do caderno Legislação & Tributos, do jornal Valor Econômico, trouxe duas matérias sobre a declaração de planejamento tributário, instituída pela Medida Provisória nº 685. Em reportagem de Laura Ignacio, deu-se conta de que a entrega de tal declaração seria adiada – decisão que, mais uma vez, foi tomada por meio da “entrevista normativa”, haja vista que não foi formalizada e publicada no Diário Oficial da União. Ao lado da reportagem, foi publicado artigo do excelentíssimo senhor secretário da Receita Federal do Brasil, Jorge Antonio Deher Rachid, cujo principal enfoque foi no sentido de que a declaração de planejamento tributário é um “direito do contribuinte”.
Vou me ater a esta segunda matéria, qual seja, o artigo do senhor Rachid.
Com todo respeito à inteligência, à cultura e ao conhecimento tributário do autor do artigo, as suas conclusões são uma ofensa aos pagadores de impostos do Brasil. Se realmente é um direito, porque a imposição de uma multa de 150% no caso de não entrega da declaração? Se realmente, é um direito, porque o contribuinte é obrigado a apresentar uma “confissão” inconstitucional ao Fisco, assumindo uma atribuição que é do auditor fiscal em procedimento de fiscalização?
A declaração de planejamento tributário é uma total inversão de valores que traz pesados custos à atividade empresarial brasileira, e exatamente num momento em que a economia está na lona.
O primeiro e mais visível custo diz respeito às horas de trabalho dos mais qualificados profissionais da empresa, juntamente com advogados, auditores e consultores tributários, para definirem se devem ou não entregar tal declaração – decisão que sempre trará insegurança jurídica para a empresa. O segundo custo, menos visível mas mais grave, é representado pela perda de oportunidade de redução dos custos operacionais da empresa, aumentando a sua competitividade, inclusive internacional – é fato que empresas deixarão de reestruturar seus negócios com medo dessa famigerada declaração.
O artigo traz ainda um argumento de origem estrangeira, ao afirmar que “o Plano de Ação sobre Erosão da Base Tributária e Transferência de Lucros (BEPS, OCDE, 2013), reconheceu, com base na experiência de diversos países (EUA, Reino Unido, Portugal, África do Sul, Canadá e Irlanda), os benefícios das regras de revelação obrigatória dos planejamentos tributários”.
Em primeiro lugar, o BEPS é uma iniciativa dos ministros das finanças dos países membros da OCDE (organização da qual o Brasil não é parte), com o claro objetivo de melhorar a arrecadação desses países. Além disso, o BEPS, embora mencione as questões relacionadas às práticas tributárias internas, prioriza o combate ao planejamento tributário internacional, o que exigiria uma mudança significativa na legislação brasileira sobre tributação dos lucros auferidos no exterior (o que, obviamente, está fora de cogitação). E o mais importante ainda nem é isso.
Qual país da OCDE exige que a empresa contribuinte preencha um formulário eletrônico de mais de 1,3 mil páginas com informações a serem prestadas ao Fisco? Pois com a obrigatoriedade da Escrituração Contábil Fiscal (ECF), já em 30 de setembro deste ano, as empresas brasileiras estão obrigadas a esse nível de transparência fiscal. Nesse contexto, que sentido faz a MP 685 instituir o “direito” de o contribuinte comunicar a Receita Federal sobre suas práticas empresariais?
Pelo jeito, a Receita Federal do Brasil também está disposta a testar a paciência do cidadão brasileiro.