04/09/2015 às 00h00 com informações de Valor Econômico

Mercado de créditos em recuperações judiciais

A lei que instituiu a recuperação judicial no Brasil trouxe diversas inovações ao mercado nacional de ativos depreciados

Em junho de 2015 a lei que instituiu a recuperação judicial no Brasil (Lei nº 11.101/2005) completou dez anos de vigência, trazendo diversas inovações ao mercado nacional de ativos depreciados (conhecidos como distressed assets). A recuperação judicial é o procedimento pelo qual uma empresa em crise financeira socorre-se do Judiciário para superar sua situação de dificuldade econômica e difere da falência, pois nele a empresa continua exercendo regularmente suas atividades, não havendo, em regra, interferência na sua gestão.

O objetivo do procedimento é permitir que a empresa em recuperação judicial apresente um plano que pode ser aprovado, rejeitado ou modificado pelos credores, reunidos em assembleia. O plano geralmente prevê a forma de pagamento dos credores (períodos de carência, deságio, parcelamento da dívida etc.) e os meios pelos quais a empresa pretende se recuperar – venda de ativos, alteração da composição acionária, investimentos de terceiros etc.

Nos primeiros anos de vigência da lei, o meio de recuperação mais utilizado era a venda de ativos, que isenta o adquirente dos ônus da sucessão, caso sejam respeitados os preceitos legais. Provavelmente pelo fato de o procedimento ser novo no Brasil (apesar de comum em diversos outros países do mundo) percebia-se um certo receio de investidores em realizar aportes financeiros nas empresas em recuperação judicial, diante da incerteza do resultado final do procedimento, especialmente porque o insucesso da recuperação pode levar à falência da empresa, o que dificultaria o retorno do capital investido.

A recente decisão do colegiado da CVM certamente incentiva o desenvolvimento do mercado de créditos em recuperações judiciais

Mais recentemente, os investidores passaram a demonstrar maior interesse em investir nas empresas em recuperação judicial. Isto porque, aliado ao sucesso do procedimento e a efetiva recuperação de diversas empresas, o Poder Judiciário tem demonstrado apoio aos investidores em decisões coerentes com a realidade econômico-financeira da empresa e do mercado na qual se insere, sempre buscando estimular a atividade econômica e garantir a manutenção da empresa como fonte geradora de riquezas e de empregos, em respeito ao princípio da preservação da empresa, expresso na lei.

Além disso, o financiamento de empresas em recuperação judicial (mais conhecido como DIP Financing) também começa a ser utilizado recentemente, como por exemplo, no financiamento do Grupo OAS (em recuperação judicial).

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também contribuiu para o desenvolvimento do mercado de créditos em recuperações judiciais, ao editar a Instrução CVM 444/2006, que permitiu a constituição e oferta pública de cotas de Fundos de Investimento em Direito Creditórios Não-Padronizados (FIDCs-NP), os quais, diferentemente dos Fundos de Investimento em Direito Creditórios Padronizados (FIDCs Padronizados), visam realizar investimentos em direitos creditórios com maior grau de risco.

A Instrução CVM 444/2006 estabelece que se considera Não-Padronizado o FIDC cuja política de investimento permita, por exemplo, a realização de aplicações em direitos creditórios originados de empresas em processo de recuperação judicial ou extrajudicial.

Apesar de ser um grande passo para o desenvolvimento do mercado de créditos em recuperações judiciais, a Instrução CVM 444/2006 acabou gerando uma dúvida no mercado sobre o que constituiria "direito creditório originado de empresas em processo de recuperação". É evidente que nas situações em que o devedor é a própria empresa em recuperação judicial, o investimento seria de alto risco e, portanto, exigiria um FIDC-NP. Todavia, nas situações em que a empresa em recuperação judicial é apenas e tão somente a cedente de direitos creditórios já performados e, portanto, o risco seria proveniente de um terceiro devedor com situação econômica estável (que não estaria em recuperação judicial), não haveria razões para se restringir a aplicação em tais direitos creditórios aos FIDCs-NP, sendo possível a aquisição de tais direitos creditórios por FIDC Padronizados.

Consultado, o Colegiado da CVM proferiu recente decisão, afirmando que "podem ser adquiridos por FIDC os direitos creditórios cedidos por sociedade empresária em recuperação judicial ou extrajudicial, com plano aprovado em juízo e transitado em julgado, e sem coobrigação do cedente".

A recente decisão do Colegiado da CVM certamente incentiva o desenvolvimento do mercado de créditos em recuperações judiciais, na medida em que permite que os FIDCs Padronizados (os quais são destinados para investidores qualificados) adquiram direitos creditórios cedidos por empresa em recuperação judicial, observados os requisitos levantados na referida decisão. Vale lembrar que, nos termos da Instrução CVM 554/2015, a partir de 1º de outubro de 2015, os FIDCs-NP passam a ter um público investidor mais restrito, sendo destinados para investidores profissionais. Assim, ao permitir o acesso de um público investidor mais amplo (investidores qualificados), via FIDCs Padronizados, em investimentos em direitos creditórios cedidos por empresas em recuperação judicial, a CVM mais uma vez colabora de maneira importante para o desenvolvimento do mercado de créditos em recuperações judiciais por meio do mercado de capitais.

Alexei Bonamin, Fabio Rosas e Luciana Faria são, respectivamente, sócio na área de mercado de capitais, sócio na área de reestruturação e advogada sênior do escritório TozziniFreire