Supremo e STJ receberão mais recursos com novo CPC
Tribunais superiores criarão uma jurisprudência sobre o tema e padronizarão o que não tem admissibilidadeA entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (CPC), prevista para março do próximo ano, preocupa ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A norma retira do texto atual um filtro que evita a entrada direta de recursos, o que aumentará substancialmente a carga de trabalho. No STJ, estima-se crescimento de 46% no volume de recursos. E no Supremo, de 50%.
Atualmente, quem realiza essa triagem são os Tribunais de Justiça (TJs) e os Tribunais Regionais Federais (TRFs), que admitem ou não recursos para as instâncias superiores por meio do chamado pressuposto ou juízo de admissibilidade (artigo 542 do CPC). Se o pedido é negado, a parte ainda pode recorrer, por agravo, para o tribunal superior.
Entre um procedimento e outro, porém, muitos advogados deixam de recorrer. São esses processos que passarão a subir com o fim da análise prévia pelos tribunais de segunda instância, prevista no artigo 1030.
O ministro Og Fernandes, presidente da 2ª Turma do STJ, afirma que a falta de um filtro fará com que o tribunal adoeça e se intoxique de forma muito mais rápida, como ocorreria com um paciente em situação delicada. A preocupação de Og Fernandes e dos demais ministros ocorre em razão do estoque de processos e o crescimento geométrico de recursos nos últimos anos, ainda que o STJ conte com o sistema de recurso repetitivo.
Com o mecanismo, o tribunal superior está autorizado por lei, desde agosto de 2008, a escolher uma ação e julgá-la como parâmetro para as demais que tratem do mesmo tema.
De acordo com o último Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o STJ iniciou 2014 com um estoque de 351,45 mil processos – quase 12% a mais que no ano anterior. E recebeu 325,85 mil ações.
Se o novo código já estivesse em vigor, a esse número ocorreria um acréscimo de 146.801 processos – representados pelos recursos negados na segunda instância. Nesse ritmo, será grande a probabilidade de se ultrapassar, a partir de 2016, o número de 500 mil recursos por ano. "Quem é ineficiente com mais de 350 mil recursos, será com 500 mil. Por isso estamos muito preocupados", afirma Og Fernandes.
Com a luz amarela, não só pela questão do novo CPC, mas pelo fato de hoje o tribunal estar abarrotado de processos, os ministros colocaram em prática dois planos para enfrentar o que consideram o grande problema do STJ no momento. "Se a avalanche já era grande, sem o filtro será muito pior", diz o ministro Luis Felipe Salomão.
A primeira frente, segundo o ministro, corre pela via legislativa por meio de projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional e que mantêm o filtro na legislação. A segunda se dá internamente. O STJ se prepara para a possibilidade de os projetos não serem aprovados com modificações de infraestrutura e de gestão interna, necessárias para adaptação ao novo código. Algumas rotinas do tribunal, conforme Salomão, serão alteradas e provavelmente serão necessários mais servidores para fazer com que funcionem.
De acordo com o ministro Gilmar Mendes, no STF já se falou da necessidade de se ter ao menos mais 50 servidores para lidar com o novo trabalho (leia mais abaixo). No STJ, estimou-se em mais 450 servidores. "Não faz sentido proceder a uma mudança desse porte para sobrecarregar tribunais já sobrecarregados e que não julgam apenas processos individuais, julgam também temas", diz Mendes.
Um dos projetos de lei que propõem a volta do filtro foi apresentado no início de agosto à Câmara. A proposta – PL nº 2.468, deste ano – tem como autores os deputados Leonardo Picciani (PMDB-RJ) e Mendonça Filho (DEM-PE) e conta com o apoio também de ministros do STF. A proposta foi apensada ao Projeto de Lei nº 2.384, de 2015, do deputado Carlos Manato (SD-ES), que havia sido apresentado anteriormente.
Há também uma proposta para adiar a entrada em vigor do novo código. O PL nº 2.913, apresentado no início de setembro pelo deputado Victor Mendes (PV-MA), traz em sua justificativa a necessidade de um prazo maior para que o Judiciário se adapte às mudanças estruturais que se farão necessárias com o novo sistema processual. Se aprovado, o novo CPC entrará em vigor após decorridos três anos da data de sua publicação.
Apesar do cenário difícil para os tribunais superiores, advogados especializados em processo civil entendem como positiva a alteração, tanto para as partes que enfrentarão menos burocracia para recorrer, como para a segunda instância que terá menos trabalho a realizar.
O professor de direito dos contatos do Insper e sócio do DMBoulos Advogados, Daniel Martins Boulos, avalia que nos primeiros anos o trabalho dos tribunais superiores aumentará e será necessário criar estruturas para absorver o impacto, assim como evitar que os julgamentos dos recursos especiais e extraordinários demorem ainda mais.
Ainda assim, ele afirma que a mudança é boa, pois os recursos serão tratados diretamente no STJ e no Supremo, criando-se apenas um órgão avaliador da admissibilidade de recursos especiais e extraordinários.
O advogado Thiago Nicolay, especialista em direito civil constitucional e sócio do Schwartz Advogados, também vê como benéfica a mudança, pois a subida do recurso será mais célere. Para ele, os tribunais superiores criarão uma jurisprudência sobre o tema e padronizarão o que não tem admissibilidade. Hoje, segundo Nicolay, cada tribunal da segunda instância adota entendimento próprio.