União não consegue reabrir discussões tributárias na Justiça
As decisões que negam essa possibilidade seguem entendimento firmado pelo STFA União não tem conseguido reabrir discussões tributárias na Justiça, por meio das chamadas ações rescisórias – usadas para pedir a anulação de uma sentença transitada em julgado (da qual não cabe mais recurso). As decisões que negam essa possibilidade seguem entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamento realizado em outubro de 2014.
Os ministros definiram, em repercussão geral, que não cabe ação rescisória contra decisões com trânsito em julgado proferidas em harmonia com a jurisprudência do Supremo, mesmo que ocorra posterior alteração de entendimento.
Com base no julgamento do STF, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, entendeu que não seria possível a União cobrar por créditos utilizados de IPI sobre insumos isentos, não tributados ou sujeitos à alíquota zero de uma indústria do ramo de bebidas. Os desembargadores levaram em consideração que, em 2002, quando a empresa obteve decisão definitiva, a jurisprudência era favorável ao aproveitamento dos créditos.
A indústria conseguiu, com a decisão, anular uma autuação de mais de R$ 100 milhões, além de se apropriar de cerca de R$ 90 milhões que estavam suspensos por uma antecipação de tutela obtida na ação rescisória apresentada pela União em 2012.
O advogado da companhia Cláudio Leite Pimentel, do Pimentel & Rohenkohl Advogados Associados, argumentou no processo que, até 2007, o Supremo considerava constitucional a utilização desses créditos. E que, somente depois daquele ano, houve mudança de entendimento.
Em setembro deste ano, os ministros reafirmaram, em repercussão geral, que não seria possível o aproveitamento de créditos de IPI decorrentes de entradas de insumos isentos, não tributados ou tributados à alíquota zero.
Pimentel defendeu ainda a aplicação ao caso da Súmula nº 343, editada pelo Supremo. Esse antigo enunciado, de 1963, diz que "não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais".
Em seu voto, a relatora do caso na 1ª Seção do TRF, juíza federal Carla Evelise Justino Hendges, destacou que o Supremo voltou a aplicar a Súmula nº 343 às controvérsias constitucionais. Portanto, acrescentou, a ação rescisória somente será cabível "quando a decisão rescindenda tenha afrontado entendimento jurisprudencial já firmado à época de sua prolação".
Para a magistrada, esse não seria o caso em questão "uma vez que o STF, anteriormente a 18 de dezembro de 2002, não possuía jurisprudência contrária".
Com esse julgamento, segundo Pimentel, "uma decisão do STF, ainda que se resolva mudar o entendimento, não consubstanciará motivo para que os contribuintes sejam beneficiados ou penalizados".
Em outro caso, analisado pelo TRF da 3ª Região, com sede em São Paulo, a maioria dos desembargadores da 3ª Seção considerou inviável a abertura de ação rescisória contra um beneficiário do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O órgão questionava a renda mensal inicial concedida a um beneficiário, em fevereiro de 1983, com base no prazo de decadência. A alegação era a de que a Medida Provisória (MP) nº 1523, de 1997, posteriormente convertida na Lei nº 9.528, de 1997, instituiu o prazo decadencial de dez anos para a revisão de benefício já concedido.
O pedido foi negado porque a decisão final foi obtida pelo segurado em outubro de 2011 e era no sentido de que o prazo decadencial da medida provisória não poderia ser aplicado aos benefícios concedidos antes de 1997, seguindo posição do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O TRF da 2ª Região, com sede no Rio de Janeiro, também negou a abertura de uma ação rescisória para uma pensionista do INSS. Ela entrou com ação para tentar cancelar decisão de março de 2010 que suspendeu o pagamento de gratificação adicional de 20%. Os desembargadores negaram a abertura da rescisória também com base na Súmula nº 343 do Supremo.
Para o advogado Pedro Moreira, do escritório Celso Cordeiro, Marco Aurélio de Carvalho Advogados, "é necessária e legítima a observação do entendimento adotado pelo STF para evitar que temas já julgados anteriormente não sejam drasticamente modificados".
Antes da decisão do Supremo, a Receita Federal chegou a desconsiderar que contribuintes tinham decisões finais e, sem nem mesmo entrar com ações rescisórias, chegou a autuá-los com base em novos entendimentos dos ministros, segundo o advogado Luiz Gustavo Bichara, do escritório Bichara Advogados. Os casos acompanhados pelo advogado estão na esfera administrativa.
Para Bichara, o julgamento do Supremo e as decisões que o aplicam são corretas. "A coisa julgada deve prevalecer sobre os outros direitos", diz. Segundo o advogado, o novo Código de Processo Civil (CPC) deve resolver esse problema, por meio dos artigos 525 e 975. Os dispositivos estabelecem que as ações rescisórias só podem ser propostas em até dois anos após decisão do STF e apenas com efeitos prospectivos – para cobrar tributos dali em diante.
Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) preferiu não se manifestar.