30/10/2015 às 00h00 com informações de Folha de S.Paulo

Brasil cria 'puxadinhos' no sistema tributário, dizem pesquisadores

Pesquisadores disseram que o país cria programas pontuais, para tentar resolver problemas específicos

Os programas de incentivo a micro e pequenas empresas em vigor no Brasil têm funcionado como "puxadinhos", com efeito limitado ou até prejudicial sobre a produtividade e sobre a formalização, na opinião dos pesquisadores Gabriel Ulyssea, da PUC-RJ, e Bernard Appy, do Centro de Cidadania Fiscal.

Eles foram os debatedores do primeiro painel do 5º Fórum de Políticas Públicas realizado pelo Insper, com o apoio da Folha, nesta quinta (29).

Em suas apresentações sobre problemas da estrutura tributária brasileira, eles argumentaram que o país têm criado programas e incentivos pontuais, para tentar resolver problemas específicos, o que gera distorções, aumenta a complexidade, eleva custos e reduz a produtividade da economia.

A criação do Microempreendor Individual (MEI), por exemplo, não incentivou a criação de novas empresas, mostrou Ulyssea, com base em estatísticas sobre empresas do Ministério do Trabalho (Rais) e em dados sobre emprego do IBGE (PME).

Como o MEI foi implantado em duas fases —a primeira reduzindo o custo de entrada na formalização e a segunda reduzindo a carga tributária sobre empresas com receita de até R$ 60 mil anuais—, Ulyssea, que se especializou em economia do trabalho e avaliação de políticas públicas, mostrou que.
pôde avaliar o impacto sobre a formalização da economia de cada uma dessas variáveis.

Sua pesquisa mostra que o efeito positivo de reduzir o custo de entrada foi estatisticamente zero, tanto na redução da parcela de trabalhadores informais quanto na queda da parcela de empresas informais.

Já a redução da carga tributária elevou em cerca de 7% a fatia de empresas formalizadas, mas isso aconteceu basicamente pela redução no estoque de firmas antes não regularizadas e apenas entre as 25% que obtêm a maior receita dentre as empresas que preenchem os critérios do programa.

O número de trabalhadores informais, no entanto, não caiu porque, embora haja um incentivo para a regularização de empresas, as menores entre estas tendem a contratar mão de obra informalizada.

Para o pesquisador, uma explicação para essa baixa efetividade do programa é o fato de que ele não elevou a renda do trabalho dos microeemprendedores.

O benefício percebido da política, portanto, é muito baixo, e a incerteza institucional (regras que mudam com frequência) e a complexidade tributária desincentivam a adoção do programa.

Além disso, a pesquisa do professor da PUC mostra que o efeito sobre a arrecadação foi negativo: houve perda líquida de tributos.

"É apenas mais um exemplo na coleção de puxadinhos brasileiros", afirmou. Ulyssea apresentou também uma avaliação do possível impacto de diferentes políticas de incentivo à formalização em agregados da economia como a produtividade, o PIB e a capacidade de consumo.

Bernard Appy, ex-secretário executivo e secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, também defende que as políticas de simplificação tributária voltadas para micro e pequenas empresas não contribuem para o crescimento da economia.

Um dos problemas apontados é que a receita (base de tributação do Simples) não é um bom indicador econômico, já que empresas de diferentes setores têm margens muito diferentes. A carga tributária sobre o valor adicionado por cada uma delas, portanto, acaba sendo muito desigual.

Appy considera também que os programas de simplificação tributária são muito amplos no Brasil. "Uma empresa de no máximo um funcionário com receita mensal de R$ 5.000 por mês é considerada `pobre' para o MEI. Já um assalariado que ganhe R$ 5.000 por mês cai na faixa mais alta do IR. Afinal, ganhar R$ 5.000 por mês é ser `rico' ou `pobre'?"

O seminário abordará ainda, neste manhã, a qualidade do gasto público, com palestras sobre o ajuste fiscal, de Mansueto Almeida, do Ipea, e sobre equidade fiscal, de Fernando Gaiger, do Ipea.

À tarde, o tema tratado será o papel do terceiro setor, com apresentações de Eduarda La Rocque, presidente do Cariocas em ação, Sérgio Lazzarini, do Insper, e Ricardo Paes de Barros, professor titular da Cátedra Instituto Ayrton Senna no Insper e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Ciências para Educação do CPP.