Crédito para empresas em recuperação judicial
É mais fácil conceder crédito para uma empresa em recuperação judicial do que para uma que não estejaNum momento em que a retração de crédito às empresas pela comunidade bancária tem sido a tônica dos comentários lidos nos principais boletins econômicos do país, é possível verificar interessante fenômeno que vem ocorrendo com relação às empresas que se encontram em regime de recuperação judicial.
Muito embora a Lei nº 11.101 – Lei de Falências e de Recuperação de Empresas -, de 2005, já tenha dez anos de vigência, só recentemente o significado e o alcance do crédito extraconcursal passaram a ser melhor compreendidos pela comunidade empresarial, particularmente pelo setor bancário e por instituições financeiras em geral.
Esse interessante e inteligente instituto – o crédito extraconcursal – foi inserido na nova legislação falimentar com a intenção de incentivar que se conceda crédito àqueles empresários e sociedades empresárias que buscam na recuperação judicial os meios para sua reestruturação e soerguimento, exatamente dentro do espírito de preservação da atividade econômica que o processo objetiva.
É mais seguro conceder crédito para uma sociedade em recuperação judicial do que para uma que não esteja.
Conforme estabelece o artigo 67 da Lei nº 11.101, de 2005, os créditos concedidos à recuperanda no curso da recuperação judicial, seja em dinheiro, seja em serviços e bens, como, por exemplo, fornecimento de matéria prima, ganham o status de extraconcursais, na hipótese de posterior decretação da falência – caso (i) o plano de recuperação não seja aprovado pelos credores, ou (ii) caso seja aprovado mas não seja cumprido, ou (iii) caso não seja paga uma obrigação contraída durante o processo ou (iv) por qualquer outro motivo.
Importante explicar, nesse ponto, o funcionamento do processo de falência. O procedimento, em apertado resumo, significa a venda de todo o ativo da falida, utilizando-se os recursos apurados para pagamento dos seus credores, de acordo com uma hierarquia de créditos que é estabelecida na Lei de Falências. O processo se inicia com o pagamento dos créditos trabalhistas até 150 salários mínimos.
Sobrou dinheiro? Passa-se para o segundo degrau da escala, que são os créditos com garantia real. Sobrou dinheiro novamente? Paga-se, no que der, os créditos tributários. E assim sucessivamente, até o último credor da fila, que é exatamente aquele credor sem qualquer garantia ou privilégio de lei. Resulta que esses últimos, representados em sua maioria por fornecedores e empréstimos desprovidos de garantia real, terminam sem nada receber, na imensa maioria dos processos de falência.
Por isso mesmo é que nem fornecedores nem bancos ousavam conceder créditos a empresas que estivessem em regime da concordata – regulada pela legislação antiga, agora substituída pela Lei nº 11.101, de 2005 -, porquanto iriam para o último lugar da cadeia de recebimentos num eventual processo de falência, caso esta fosse decretada.
Por consequência, as empresas que se valiam do processo de concordata perdiam o crédito por completo, compreensivelmente, quer para a compra de matéria prima, quer para o financiamento do seu capital de giro.
O legislador de 2005 cuidou de inserir um dispositivo que impedisse que tal mazela – a escassez de crédito – recaísse, como na concordata, sobre as empresas que ingressassem com o pedido de recuperação judicial. E o fez com a criação do credor extraconcursal, pois este, num eventual processo de falência da recuperanda, passa a integrar o time de credores que tem preferência sobre qualquer outro, recebendo o seu crédito antes mesmo do que os credores trabalhistas, com garantia real, tributários, ou qualquer outro.
Vai concorrer, é verdade, com outros credores extraconcursais de maior prioridade (remuneração do administrador judicial, custas do processo de falência, despesas na administração do processo e outras), recebendo depois destes. Mas irá, na maioria dos casos, receber integralmente o seu crédito, ainda que depois desses outros credores que a lei define.
Fácil concluir que é expressivamente mais seguro conceder crédito para uma sociedade que esteja em regime de recuperação judicial do que para uma que não esteja. Emprestar dinheiro para essa última significa correr o risco de que ela ingresse com o pedido de recuperação judicial, obrigando o credor a enfrentar um plano de recuperação que, quase sempre, faz previsão para pagamento do passivo com carência, deságio e prazo longo, às vezes contado em décadas. Isso, é claro, se tudo correr bem e a falência não for decretada, hipótese em que aquele credor irá para o fim da fila, com remotíssimas chances de recebimento do seu crédito.
Por outro lado, emprestar para a primeira, ou seja, para aquela que já está em recuperação judicial, é garantia de que a devedora estará obrigada a pagar, sob pena de ter sua falência declarada. E se isso acontecer, aquele credor – agora chamado de extraconcursal – vai receber em primeiro lugar.
Esse conceito inovador trazido pela nova legislação falimentar deixou de ser considerado por fornecedores de mercadoria e pelas instituições de crédito, que continuavam reticentes em dar crédito às empresas recuperandas nos primeiros anos de vigência da lei.
Agora, no entanto, parece que a situação começa a se inverter, na medida em que as comunidades empresarial e financeira passaram a se aperceber do maior nível de segurança que a engenhosa concepção do crédito extraconcursal proporciona.
Por conta disso, vê-se que as linhas de crédito passaram a ser mais fartas para empresas em recuperação judicial, na contramão do que tem ditado o mercado para o mundo empresarial. Muitas instituições de crédito – bancos, factorings, fundos de investimento – passaram a destinar parte dos seus recursos especificamente para empresas que estejam em regime de recuperação judicial, aproveitando-se da maior segurança que a operação com essas empresas pode oferecer.