13/02/2023 às 00h00 com informações de Correio Braziliense

Empresas temem perda bilionária após decisão do STF

Uma decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nesta semana deve ter forte impacto sobre o caixa das empresas, além de aumentar a insegurança jurídica do sistema tributário brasileiro, em um momento delicado da economia. De acordo com especialistas, a decisão atinge grandes grupos como Embraer, Pão de Açúcar (GPA), Vale e instituições financeiras, e deve desencadear contestações no próprio STF.

Em julgamento na última quarta-feira, a Corte entendeu que decisões de caráter definitivo em matéria tributária podem ser quebradas, no caso de eventual mudança de entendimento do tribunal sobre a questão. A decisão foi proferida pelo Supremo ao examinar o caso concreto da Braskem e da Têxtil Bezerra de Menezes (TBM), que, na década de 1990, ganharam o direito de não pagar a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) em decisão transitada em julgado, ou seja, sem mais possibilidade de recurso.

Em 2007, contudo, o STF mudou o entendimento, e passou a considerar a cobrança constitucional. Para a União, ao decidir que sentenças definitivas do passado podem ser revistas e deixar de produzir efeitos, o tribunal permite que a Receita Federal cobre o tributo não recolhido desde aquela época, inclusive com multa e juros, e não apenas daqui por diante.

Até agora, a Receita Federal tinha até dois anos para pedir a reversão nesses casos, e apenas por meio de um instrumento específico de ação rescisória. Com o novo entendimento, a cobrança passa a ser automática, podendo até mesmo ser retroativa.

A questão é polêmica, tanto que o STF se dividiu: seis ministros votaram pela tese vencedora, mas cinco manifestaram posição contrária.

Relator de um dos processos em análise, o ministro Luís Roberto Barroso, argumentou que a isenção obtida por algumas empresas dava a elas um tratamento tributário diferenciado, provocando um desequilíbrio concorrencial, o que a Constituição não permite. De acordo com o magistrado, poderia haver “injustiça tributária” se houvesse modulação favorável àqueles que, mesmo sabendo da posição do Supremo, continuassem sem recolher a contribuição.

O ministro Luiz Fux, por sua vez, considerou que o STF errou. “Nós tivemos uma decisão que destruiu a coisa julgada, que criou a maior surpresa fiscal para os contribuintes, um risco sistêmico absurdo”, disse ele, ontem, em evento em São Paulo.

A CSLL é calculada sobre o lucro e tem alíquota de 9% para pessoas jurídicas em geral, podendo chegar a 21% no caso de instituições financeiras — no período analisado pelo STF, o teto era de 15%.

Advogados afirmam que não é possível estimar o impacto da decisão, já que as empresas que tinham decisões tributárias definitivas não fizeram provisão para eventuais perdas, dado o respaldo pelo trânsito em julgado.

“É incalculável o prejuízo que as empresas podem sofrer com essas decisões, já que a gente não sabe o que nos espera. De repente, o guardião da Constituição muda de ideia e relativiza ações já julgadas. Esses tributos não estavam previstos para as companhias, que poderão ter que pagar em até cinco anos, é muito preocupante”, alertou a advogada especializada em direito tributário Beatriz Finochio.

De acordo com a advogada, a decisão deve ter impactos técnicos e sociais, além de criar um entrave no ambiente de negócios, aumentando a insegurança jurídica. “Dívidas milionárias vão surgir para o empresariado, e o impacto social disso é gigantesco. Claramente, isso afeta significativamente muitas empresas que podem não ter fôlego para se sustentar, muitas poderão falir e gerar desemprego. Além disso, criou-se um ambiente de insegurança jurídica para novos investimentos. Considerando que estamos no Brasil, a insegurança jurídica vira regra e não exceção”, argumentou.

Os efeitos da decisão proferida, no entanto, não se restringem à CSLL e podem ser aplicados a outros tributos em que tenha havido mudança de entendimento por parte do Poder Judiciário. Logo, a Receita Federal poderá reaver bilhões de reais a partir das cobranças, reforçando o caixa da União em um momento de pressão por equilíbrio nas contas públicas.

Para a coordenadora fiscal da PLBrasil Accounting&Finance, Melissa Scarpelli Gaido, a medida é inconstitucional. “Está definido no artigo quinto da Constituição Federal: a lei não pode prejudicar direito adquirido, ato jurídico proferido e julgado”, destacou. Segundo ela, no caso do grupo Pão de Açúcar, o prejuízo financeiro vai à casa dos R$ 290 milhões.

A decisão foi bem recebida pelo governo, mas, de acordo com Scarpelli, ela pode ampliar o clima hostil no ambiente de negócios brasileiro, tornando-o ainda menos atraente para o investidor empreender no país. “Significa dizer que eu não tenho segurança jurídica nenhuma e aquilo que já foi reconhecido voltará à discussão. Alterar dessa maneira o sistema tributário vai mexer não só com a arrecadação, mas também com a capacidade de atrair investidores para o país”, afirmou.